Dom João VI e o Direito no Brasil: Os Bens de Alma na Legislação Joanina (1808-1822)

Abstract

A investigação incidiu sobre o período joanino no Brasil que teve lugar no início de Oitocentos. A copiosa legislação do período foi compulsada, assim como revisou-se a opulenta bibliografia que veio à luz, sobretudo no Brasil, nas celebrações do bicentenário da transmigração da Família Real para a América portuguesa. Algum tempo da pesquisa também foi consagrado aos antecedentes jurídico-históricos dos temas desenvolvidos nos capítulos, tendo em vista, sobretudo, o problema da historicidade e do processo histórico. A ilustração de muitos cortesãos do príncipe regente e as tendências filosóficas e culturais que já haviam transposto o Atlântico mesmo antes da travessia da Corte portuguesa, em especial pelos estudantes brasileiros egressos de Coimbra, permitem verificar concepções jurídicas e políticas, em especial do ius politiae, instalando-se na nova capital do Império português, o Rio de Janeiro. A eudaimonia concebida pelas Luzes é distinta daquela que fora fruto da mundivisão tradicional do mundo luso-brasileiro. Mas o juízo acerca da necessidade dos bens de alma – para além dos bens do corpo e da fortuna – para se conquistar ou alcançar a felicidade, apesar das diversidades, está claramente presente no Direito joanino. A análise normativo-cultural daquela quadra histórica autoriza a afirmação de um cuidado especial do Direito com a salus publica, por meio de consonâncias ou mesmo dissonâncias do poder espiritual e do poder temporal, no qual a salus animarum era elemento constituinte de grande relevância. O padroado régio, a instituição da Capela real, o desenvolvimento das artes e ofícios, o protectorado universitário, a actividade censória e o processo civilizador dos índios do Brasil podem e devem ser analisados através da lupa histórico-jurídica, o que produz a cristalina percepção de uma mens legislatoris, nos umbrais do liberalismo, ainda afeito às concepções transcendentais da arte legiferante.

The investigation focused on de Johannine period in Brazil that took place at the beginning of the 1800s. The copious legislation of the period was enforced, as well as opulent bibliography that came to light, especially in Brazil, in the celebrations of the bicentenary of transmigration of the Royal Family to Portuguese America was revised. Some of the research time was also devoted to the legal and historical background of the themes developed in the chapters, bearing in mind, above all, the problems of historicity and the historical process. The illustration of many courtiers of the prince regent and the philosophical and cultural tendencies that had already crossed the Atlantic even before the crossing of the Portuguese Court, especially by Brazilian students graduated in Coimbra, allow to verify legal and political conceptions, especially of ius politiae, installing in the new capital of the Portuguese Empire, Rio de Janeiro. The eudaimonia conceived by the Lights is different from that which was the result of the traditional worldview of the Luso-Brazilian world. But the judgement about the need for soul goods – in addition to the goods of the body and fortune – in order to conquer or achieve happiness, despite diversities, is clearly present in Johannine Law. The normative-cultural analysis of that historical quarter authorizes the affirmation of a special care of the Law with salus publica, through consonance or even dissonances of the spititual power and the temporal power, in which the salus animarum was a constituent element of great relevance. The royal patronage, the institution of the Royal Chapel, the development of the arts and crafts, the university protectorate, the censorship activity and civilizing process of the Indians of Brazil can and should be analysed through the historical-legal lens, which produces the crystalline perception of a mens legislatoris, in the thresholds of liberalism, still accustomed to the transcendental conceptions of legifying art.