O Rosto das Horas: do feminino e do masculino, com a arte

Abstract

A investigação que agora se apresenta faz recair sobre a diferença sexual, tal como o afirma Luce Irigaray, uma das grandes questões filosóficas, se não mesmo “a” questão, do nosso tempo: aquela que, a ser bem pensada, pode conduzir a um verdadeiro movimento de “salvação”. Devedora do gesto de Aby Warburg, que compôs um atlas visual com o intuito de apresentar ao “bom europeu” o remédio para uma dissociação psíquica evidente, inverte, todavia, a sua “história de fantasmas para adultos”, e delineia um “conto de fadas para adultos” de natureza analítico-visual, numa época que tudo parece saber, mas que em nada acontece parecer acreditar. Elegem-se, portanto, cinco obras de arte de cuja análise avultam problemas fulcrais e que, simultaneanemte, enunciam uma visualidade essencial. Parte-se, entretanto, da enunciação de um horizonte em que se inscrevem o masculino, o feminino e o feminismo, pretendendo-se adentrar a contemporaneidade através de um ponto de vista feminino, que se confunde com o próprio feminismo, mas de natureza menor. Ou seja, perfila-se à partida uma polaridade essencial entre igualdade e diferença, situando-se a segunda numa incomodidade indesmentida que recai sobre o “interior”. Na segunda parte desta investigação interrogamo-nos sobre o que pode a arte. Trata-se de estabelecer as bases, inicialmente, de um protocolo de análise específico que assume a mudança paradigmática proporcionada pela arte moderna, também esta sintomaticamente relacionada com a intensificação do “interior”, o que nos exorta a adoptar o ponto de vista da concavidade. Este levar-nos-á à fixação de duas entidades, tanto analíticas como elementos de condensação do que significa a aproximação às obras de arte: arquitectura interior e recursos operativos. Na terceira parte apresentamos as construções filosóficas e de reflexão histórica proporcionadas por cada obra de arte eleita: O Pequeno Mundo, de Jorge Molder; MulherTerra-Viva, de Clara Menéres; Tela Habitada, de Helena Almeida; Tranquila ferida do sim, faca do não, de Rui Chafes; Sombras projectadas de Lourdes Castro e René Bertholo, de Lourdes Castro. Assim, e partindo-se de um cenário interior, extravasam-se os sintomas da época num diagnóstico traçado para a contemporaneidade. A seguir enceta-se um caminho que visa descortinar progressivamente a possibilidade de uma verdadeira intimidade. Na quarta, e última parte, vertem-se, como se se desdobrassem, as essenciais consequências das construções e reflexão da parte imediatamente anterior e apresenta-se o rosto das horas, ou seja, a impressão derradeira para o infinito, que corresponde ao rosto, e para a actualidade entendida enquanto presença, às quais correspondem as horas

The investigation that shall be presented here will concern sexual difference, which, as Luce Irigaray affirms, is one of the great philosophical concerns, if not, the philosophical concern of our time, and which, if carefully thought through, shall lead to a true movement of “redemption”. Owing much to Aby Warburg, who put together a visual atlas that sought to present to “good Europeans” the remedy for an evident psychic dissociation, it nonetheless turns her “ghost story for adults” on its head, bringing together instead a “fairy tale for adults” of an analytical and visual nature, during an era in which everything seems to be known but nothing seems to be believed. As such, five artworks that bring to light core issues via means of their analysis, while simultaneously expressing a marked visuality, have been chosen. Before that, the scope of which the masculine, the feminine and feminism are a part, shall be defined, as a means to delve into contemporaneity through a feminine point of view, often confused with feminism, though of a minor nature. That is to say, the essential polar nature between equality and difference shall be initially defined, the latter inscribing itself into an undeniable uneasiness that may be attributed to that which is of an “interior” nature. In the second part of this investigation we shall question that which art is capable of, initially establishing the groundwork for a specific analysis protocol that takes into consideration the paradigm shift brought forth by modern art, also symptomatically connected to the intensification of interiority, leading us to adopt a point of view of concavity. This will then lead us to the establishment of two entities that function as elements of both analysis and condensation of what it means to approach works of art: internal architecture and operative resources. In the third part we shall present the philosophical constructs and historical reflections generated by each artwork that has been chosen: Jorge Molder’s O Pequeno Mundo; Clara Méneres’s Mulher-Terra-Viva; Helena Almeida’s Tela Habitada; Rui Chafes’ Tranquila ferida do sim, faca do não and Lourdes Castro’s Sombras projectadas de Lourdes Castro e René Bertholo. In this manner, setting off from an internal perspective, the symptoms of an era, via means of a diagnosis that is outlined for contemporaneity, become evident. Thereafter, a path that seeks to progressively unveil the possibility of true intimacy shall be taken. In the fourth and last part, the essential consequences of the constructs and reflections presented in the part that immediately precedes it are unfolded, and the face of time is presented, which is to say, the ultimate mark left for infinity that is the face, and contemporaneity understood as a presence, corresponding to time.