A Política do Trabalho Científico: Articulação Local, Conversão Reguladora e Acção a Distância

Abstract

É frequente apresentar a ciência, enquanto actividade social baseada no debate racional, como um modelo para a democracia. Esta ideia assenta, contudo, num paradoxo: a possibilidade de realizar uma situação ideal de comunicação e debate baseado na argumentação, na demonstração e na prova supõe uma separação em relação a outras esferas da vida social e a outras formas de organização do trabalho e de acesso ao saber e ao conhecimento. Essa separação implica novas hierarquias, diferenciações, subordinações e exclusões, através da emergência de uma "comunidade de sábios", e da criação de laboratórios (entendidos genericamente como os lugares onde se realiza o trabalho científico) como espaços diferenciados, autónomos e protegidos da interferência "exterior", nomeadamente da economia, da política ou da religião. Impõe-se, por isso, alargar o âmbito da discussão, de modo a abranger a política do trabalho científico, tratando de modo simétrico a democracia e a participação, o debate, a persuasão e a negociação, por um lado, e a diferenciação, a hierarquização, a coerção, os argumentos de autoridade, o controle sobre os recursos, e as exclusões, por outro. A partir dos primeiros resultados de uma pesquisa etnográfica em curso num laboratório de investigação biomédica, serão examinadas três dimensões da política do trabalho científico - a articulação local de actividades, a conversão reguladora das relações e processos "exteriores" ao mundo da ciência e a acção à distância -, procurando identificar o modo como elas contribuem para a consolidação e reprodução da condição semiperiférica de Portugal no sistema mundial da ciência