Utilize este identificador para referenciar este registo: https://hdl.handle.net/10316/95429
Título: Paz para os locais, pelos locais ou com os locais? O papel do núcleo de mediação comunitária na construção da paz, justiça e empoderamento na comunidade do Pirambu, Ceará
Autor: Araújo, Tatiana Daré
Orientador: Nascimento, Rute dos Santos
Freitas, Raquel Coelho de
Palavras-chave: Construção da Paz; Peacebuilding; Mediação Comunitária; Violência Urbana; Acesso à Justiça; Empoderamento; Community Mediation; Urban Violence; Access to Justice; Empowerment
Data: 11-Mar-2021
Local de edição ou do evento: Fortaleza
Resumo: A partir de uma perspetiva crítica, a presente tese analisa os programas de mediação comunitária e o seu potencial contributo para a promoção da paz sustentável. Para tal, análisámos em concreto um programa de mediação comunitária (PMC) implementado na comunidade de Pirambu, em Fortaleza, Ceará, Brasil caracterizada por ser uma zona urbana pobre, violenta e marginalizada. Tendo como fundamento o pluralismo jurídico e o acesso universal à justiça, o PMC se constitui como um espaço autônomo de resolução de conflitos nas comunidades com vista à sua transformação pacífica, através de soluções rápidas e satisfatórias para as partes em litígio. Nessa perspetiva, o núcleo de mediação faz parte de um programa institucionalizado em localidades com altas taxas de homicídios, decorrentes dos conflitos resultantes do e/ou agravados pelo tráfico de drogas, como parte de um projeto guarda-chuva neoliberal que, partindo de programas designados de segurança cidadã, associa segurança pública aos direitos humanos e à justiça. Tais programas têm o apoio e financiamento de organismos internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Defendemos nesta tese que tal projeto é também o desmembramento da ideia de “paz liberal”, a qual propõe o desenvolvimento humano, econômico e social por meio da governação democrática. Neste contexto, a reforma da justiça e da segurança pública constituem-se como vertentes estruturantes destes processos, ao descentralizar suas ações com base na participação dos atores locais, estatais e não estatais com vista à promoção da paz. Para além da forma de gestão e desenho desses programas, as críticas estão também centradas na impossibilidade de concretização de projetos em torno dos valores de paz e justiça, uma vez que os atores responsáveis pela sua execução frequentemente negligenciam as demandas, identidades e culturas locais. Para compreender melhor o funcionamento dessas dinâmicas na implementação do programa, analisamos, por meio do modelo adaptado do PCIA (Peace and Conflict Impact Assessement), os discursos dos seus principais atores (implementadores, mediadores e locais) e questionamos se e de que forma o núcleo de mediação possui a capacidade de produzir uma paz sustentável, considerando as principais vertentes do programa: acesso à justiça, empoderamento local e cultura da paz. A partir da análise do Núcleo de Mediação Comunitária do Pirambu, definimos um modelo baseado na abordagem holística e sistêmica dos direitos humanos orientado à transformação de conflitos, com o intuito de compreender como as dinâmicas e necessidades locais com ênfase na agência local, podem dar efetividade a esses programas e vice-versa. Parte-se do pressuposto de que a forma como os núcleos são construídos, organizados, e executados, pode ter influência no continuum das violências, por meio da reprodução de desigualdades sociais e de gênero e da estigmatização social, a depender do grau de perceção dos locais sobre direitos e de como estavam organizadas anteriormente, associando à análise as diversas formas de resistência local. Logo, o trabalho sustenta a hipótese de que os PMC podem, em determinados contextos, afastar-se dos parâmetros de construção de uma paz positiva e sustentável, pois ao contrário de funcionarem como uma política responsável por estimular uma cultura da paz, tendem a reproduzir, na prática, padrões hegemônicos institucionais, por meio das assimetrias de poder provenientes da violência institucional, desde logo, ao normalizar e naturalizar diferenças sociais e de gênero para fixar e manter barreiras e fronteiras entre a cidade/centro e a favela/periferia, com o propósito de estabelecer e promover uma paz formal e institucionalizada. A nossa proposta reside, portanto, ver a participação e a resistência civil como imprescindível na busca de uma genuína forma de construção da paz e justiça híbridas. Isto porque acreditamos que não cabe aos locais substituirem o papel do Estado, no que tange ao suporte, financiamento e provimento desses serviços e direitos, pois assim se estaria reproduzindo uma espécie de cooptação, através de uma forma mais ampla do voluntariado. Nesse caso, não caberia a ‘paz pelos locais’ e, muito menos, caberia ao Estado construir a ‘paz para os locais’, quando ao implantarem programas de mediação invisibilizam suas demandas emancipatórias, mantendo as assimetrias de poder. O argumento que sustentamos é, então, que a construção da paz sustentável nesses territórios de governação limitada tem de se fazer ‘com os locais’ por intermédio de um apoio efetivo tanto a nível nacional como internacional e para que, assim, o poder de agência das comunidades possa ser capaz de conduzir as políticas estatais no sentido de cumprir as necessidades e demandas locais. Logo, a construção da paz é também uma luta por direitos, especificamente por justiça social. A paz com os locais pode favorecer o poder de agência local, quando os locais reapropriam-se dos valores liberais e os ressignificam à luz de seus próprios saberes locais. Neste caso, a paz com os locais abre alternativas não apenas para que tenham voz, mas para que sejam ouvidos.
From a critical perspective, this thesis analyzes the community mediation program (CMP) and its role in promoting sustainable peace. The analysis is based on the CMP implemented in the Pirambu community in Fortaleza, Ceará, Brazil, which is characterized by being a poor, violent and marginalized urban area. The CMP has an autonomous space for resolving conflicts in communities with a view to their peaceful transformation, through quick and satisfactory solutions for the parties in dispute. In this broader concept of access to justice for vulnerable and marginalized groups, the mediation center is part of a neoliberal umbrella project that links public security to human rights and justice in areas characterized by high homicide rates, mostly resulting from the drug trafficking. These programs, namely citizen security programs, are supported and financed by international organizations such as the United Nations Development Program (UNDP). We argue in this thesis that this project is also part of the idea of "liberal peace", which proposes human, economic and social development through democratic governance. Based on this, the reform of justice and public security is inserted in these structural aspects, by decentralizing its actions with the participation of state, non-state and local actors with a view to promoting peace. In addition to the form of management and design of these programs, the criticisms also focus on the impossibility of carrying out projects around the values of peace and justice, since the actors responsible for their execution often neglect the demands, identities and local cultures. Through model adapted from the Peace and Conflict Impact Assessment, we analyzed, the discourses of the main actors involved in the program (implementers, mediators and locals) and questioned whether and how the CMP can pave the way for the promotion of a sustainable peace. To better understand the dynamics of the actors in the process of implementing the program, we considered its three main dimensions: access to justice, local empowerment and a culture of peace. From the analysis of CMP of Pirambu, we created a model based on a holistic and systemic approach to human rights, oriented to the transformation of conflicts in these communities. With an emphasis in the local agency, we seek to understand how the dynamics and local needs can make these programs effective and vice versa. It is assumed that the way CMP are designed, organized and implemented can influence the continuum of violence, through the reproduction of social and gender inequalities and social stigmatization. However, it depends on the degree of perception of locals' rights and how they were previously organized, in terms of association and many forms of local resistance. Therefore, the hypothesis put forward in this thesis is that PMCs may move away from the goals of building a positive and sustainable peace as they may tend to reproduce institutional hegemonic patterns, through power asymmetries resulting from institutional violence. These programs can work by naturalizing social and gender differences to establish and maintain boundaries between the city/center and the ‘favela’/periphery, with the purpose of establishing and promoting a formal and institutionalized peace. Our proposal, therefore, is to find participation and the daily, non-violent practices of resistance considered essential for the hybrid construction of peace and justice. This is because we believe that it is not role to the locals to replace the role of the State, with regards to the support, financing and provision of these services and rights. Otherwise, it would be to reproduce a kind of co-optation, through a broader form of volunteering. In this case, it would not be the case of 'peace for the locals' and, much less, it would be the place for the State to build 'peace for the locals', as the State can make invisible and maintain its emancipatory demands via asymmetries of power. The conclusion is that building sustainable peace in these limited governance territories should be done 'with the locals' through effective support both nationally and internationally and considering the agency power of the locals capable of leading and managing it these programs. The peacebuilding in this territories represents also a struggle for rights, specifically for social justice. Peace with the locals may contribute the power of local agency, when the locals (re) appropriate themselves the liberal values and give them new meaning in the light of their own local knowledge. Peace with the locals may provide spaces for the them not only to speak, but also to be heard.
Descrição: Tese no âmbito do Doutoramento em Relações Internacionais –Política Internacional e Resolução de Conflitos, apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
URI: https://hdl.handle.net/10316/95429
Direitos: embargoedAccess
Aparece nas coleções:UC - Teses de Doutoramento
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