Experiências de vergonha centrais para a identidade e traços de personalidade borderline em pessoas transexuais

Abstract

As experiências traumáticas precoces constituem pontos de referência para a identidade pessoal e para a atribuição de significados face a outras experiências presentes no desenvolvimento pessoal do indivíduo. A literatura sugere que há uma associação entre experiências traumáticas na infância, na forma de vergonha, humilhação e rejeição e o desenvolvimento da Disforia de Género em indivíduos transexuais. Além disso, apesar da escassez há estudos que apontam para alguma sintomatologia borderline nesta amostra da população. Neste sentido, a presente investigação pretende explorar a relação entre experiências traumáticas de vergonha e traços borderline, através do efeito mediador da auto-aversão e da autocompaixão. Neste estudo utilizámos um protocolo com escalas de autorresposta que avaliavam as variáveis em estudo, num total de 42 pacientes com Disforia de Género, acompanhados na consulta de Sexologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Os resultados das análises de correlação evidenciaram as relações hipotetizadas, com significância estatística. A comparação entre as duas fases de tratamento (sem tratamento hormonal ou tratamento hormonal), através de testes t-Student, mostrou que indivíduos transexuais que já iniciaram o tratamento hormonal apresentam menos auto-aversão. Os modelos de mediação testados revelaram-se significativos, explicando 53% e 52% da variável dependente (auto-imagem borderline e instabilidade afetiva borderline), mediados pela autocompaixão. Em termos globais, os resultados sugerem que a autocompaixão é uma competência fundamental a ser desenvolvida no processo terapêutico em pessoas transexuais com Disforia de Género.

Shame traumatic memories are reference points for personal identity and meaning attribution to other experiences present in the individual’s personal development. Literature suggests there is a link between youth traumatic experiences, in the forms of shame, humiliation and rejection and the development of gender dysphoria in transsexual individuals. Moreover, despite the scarcity, there are studies which point out to some borderline symptomatology in this sample of the population. In that sense, this investigation intends to explore the relation between shame traumatic memories and borderline traits, exploring the mediating effect of self-disgust and self-compassion. This study used a protocol of self-report instruments that assesses the variables throughout a total of 42 patients with gender dysphoria, who were accompanied by the Sexology Consultation of the University Hospital Centre of Coimbra. The correlation analysis results showed hypothesized relations, with statistical significance. The comparison between the two stages of treatment (with or without hormonal therapy), through t-Student tests, revealed that transsexual individuals who have already initiated hormonal therapy present less self-disgust. The tested mediation models proved to be significant, accounting for 53% and 52% of the dependant variable (borderline self image and borderline affective instability), mediated through self-compassion. Globally, these findings suggest that self-compassion is a fundamental tool to develop in the transsexuals with gender dysphoria psychotherapeutic process.