Do trauma à psicossomática: as marcas indeléveis da guerra

Abstract

Diante de uma sociedade marcada por eventos violentos, o estudo sobre o trauma psicológico e suas consequências para as vítimas permanece em destaque, principalmente nas áreas da psiquiatria e psicologia. Apesar de divergirem quanto à abordagem teórica, muitos pesquisadores [Freud, 1913; Young, 1995; Cyrulnik, 2004, 2005; Costa, 2015; Quartilho, 2016] têm destacado a expressão como um meio de lidar com o trauma. Contudo, nem sempre é possível pôr em palavras o sofrimento. Por motivos diversos, vítimas são silenciadas ou silenciam, e são essas as situações que podem levar às manifestações psicossomáticas. A somatização é a inscrição de um conflito psíquico no físico, é a expressão do sintoma. O presente estudo nasce do interesse nessa relação trauma-psicossomática. Na busca por desvelar tal relação, explora o impacto das guerras, por entender que esse reúne os fatores considerados preditores de stress traumático. Desse modo, o texto se desenvolve a partir do conceito de trauma, expondo as principais contribuições para a compreensão que se tem atualmente sobre suas causas e consequências. Sendo a somatização uma dessas, o segundo capítulo se dedica às teorias da psicossomática, a enfatizar a visão psicanalista [Freud; Marty; Maldavsky], sem excluir a psiquiatria. Pelo contrário, ao discorrer sobre o tema, convergências são apresentadas. Dos conceitos ao trauma de guerra, o terceiro capítulo do estudo discute as questões envolvidas no contexto militar, os obstáculos enfrentados por soldados e ex-combatentes durante e após os combates e os sintomas que expressam os conflitos indizíveis desse grupo. Com o objetivo de corroborar a teoria apresentada e, também, aproximá-la da realidade portuguesa, o último capítulo traz a pesquisa, realizada no Centro de Prevenção e Tratamento do Trauma Psicogénico no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com ex-combatentes da Guerra Colonial. Mesmo aqueles que não sofrem com sequelas físicas, têm em seus corpos as marcas da guerra. Do stress traumático à somatização, os ex-combatentes continuam à espera de pôr fim aos sintomas. Para tanto, a narração surge como uma possibilidade para ressignificar memórias e sentimentos, permitindo, assim, o redirecionamento de suas vidas – do trauma à resiliência.

Faced with a society marked by violent events, the study of psychological trauma and itsconsequences for victims remains prominent, especially in the areas of psychiatry andpsychology. Although they diverge with regards to the theoretical approach, manyresearchers [Freud, 1913; Young, 1995; Cyrulnik, 2004, 2005; Costa, 2015; Pitch, 2016]have highlighted expression as a means of dealing with trauma. However, it is not alwayspossible to put suffering into words. For various reasons, victims are silenced or remainsilent, and these are the situations that can lead to psychosomatic manifestations.Somatisation is the inscription of a psychic conflict on the physical state - it is the expressionof the symptom. The present study stems from the interest in this trauma-psychosomaticrelationship. In the search to unveil such a relationship, it explores the impact of wars, dueto the understanding that they bring together factors considered predictors of traumaticstress. In this way, the text develops from the concept of trauma, exposing the maincontributions to the current understanding of its causes and consequences. Sincesomatisation is one of these, the second chapter is devoted to psychosomatic theories and toemphasizing the psychoanalytic view [Freud; Marty; Maldavsky], without excludingpsychiatry. On the contrary, when discussing the theme, convergences are presented. Thethird chapter of the paper discusses the issues involved in the military context from conceptsto war trauma, through the obstacles faced by soldiers and ex-combatants during and afterthe conflict, and the symptoms that express the group's unspeakable conflicts. In order tosupport the theory presented and to bring it closer to the Portuguese reality, the last chapterpresents the research carried out at the Centre for the Prevention and Treatment ofPsychogenic Trauma at the Hospital and University Centre of Coimbra, with former Colonialwar combatants. Even those who do not suffer from physical after-effects have the marks ofwar on their bodies. From traumatic stress to somatisation, ex-combatants are still waitingto put an end to their symptoms. For this, narration appears as a possibility to give newmeaning to memories and feelings, thus allowing for the redirection of their lives - fromtrauma to resilience.