Bernardo Santareno: Teatro, Utopia e Performatividade

Abstract

A obra dramática de Bernardo Santareno (1920-1980) tem vindo a ser lida e interpretada num registo demasiado dualista, ora no âmbito de uma escrita dramática de teor aristotélico, ora de uma escrita em aproximação ao teatro épico. Por reconhecer limitações e bloqueios neste programa dual, este trabalho confronta o dramaturgo que conhecemos com o histórico da encenação das suas obras, abrindo-se aos sentidos e caminhos de criação motivados e inspirados pela sua escrita até ao presente. O próprio Santareno afirmou repetidamente que a sua escrita apenas se cumpre quando se transfere para cena, pelo que esta tese considera e analisa grande parte das suas encenações ocorridas entre 1957 e 2017. Confrontando as dinâmicas do sentido geradas no encontro entre a escrita e a encenação/recriação de Santareno ao longo deste período de seis décadas, organizei este trabalho em torno de cinco eixos temáticos: a sexualidade, o misticismo, o poder, a marginalidade e a liberdade. Estes grupos temáticos conferem maior mobilidade e pluralidade à interpretação da dramaturgia de Santareno, ampliada pela sua expressão cénica e dimensão performativa, em criações de 1957 a 2017. Para além das primeiras encenações de Santareno que, ainda durante o Estado Novo, foram verdadeiramente significativas para a própria afirmação da obra do autor, coloco em relação de complementaridade e diálogo crítico outras criações mais próximas das novas linguagens de teatro, afetas ao âmbito performativo, as quais reinventaram a forma como a força dramática de Santareno pode, efetivamente, expandir-se em cena e acompanhar a constante reinvenção do seu legado. Pretende-se assim abrir novos caminhos na leitura desta obra dramática, após a recente celebração do centenário do nascimento do autor, em 2020. Simultaneamente, esta tese inclui dados sobre a obra e a vida autor que, por diferentes motivos, não se encontravam acessíveis ao conhecimento geral. A título de exemplo, chamamos especialmente a atenção para a encenação d’A traição do padre Martinho (1969), em Cuba. Decorria o ano de 1970, quando o encenador português Rogério Paulo encena com a companhia Rita Montaner, na cidade de Havana, esta obra de Santareno. No âmbito desta investigação, desloquei-me até Cuba, onde recolhi informações sobre este caso, nomeadamente, relatos pessoais de atores que participaram nesta peça e que entrevistei. Com esse material reconstruiu-se o relato e a análise deste episódio relevante da presença da dramaturgia portuguesa no exílio. Tencionou-se chamar a atenção para o facto de existir uma produção dramática que antecede o ano de 1957, correspondente a A Promessa, e, portanto, urgiu a necessidade de se integrar esse material no teatro de Santareno. Excluí-lo ou mesmo negligenciá-lo não parece uma atitude crítica compatível com o estudo deste autor. Para isso, a presente tese contribui com a análise de Confissão (1945); um texto dramático escrito por Bernardo Santareno ainda enquanto jovem estudante de medicina. Pretendeu-se com esta investigação contribuir para a desconstrução de ideias e factos que pareciam definitivos. No meu entender, não devemos assumir como fechada a tarefa da leitura de Bernardo Santareno e do seu teatro. Pelo contrário, o dinamismo da pesquisa e das encenações exige uma atualização constante, porque a sua dramaturgia se tem reinventado em cena.

Bernardo Santareno's dramatic work (1920-1980) has been read and interpreted in an overly dualistic record, either as a dramatic writing with an Aristotelian content or as an approach to epic theatre. By recognizing limitations and blockages in this dual programme, this work confronts the playwright we know with the history of staging his works, opening himself to the senses and paths of creation motivated and inspired by his writing until the present. Santareno himself has repeatedly stated that his writing is only accomplished when it is transferred to the scene, so this thesis considers and analyses a large part of his staging that took place between 1957 and 2017. Confronting the dynamics of meaning generated in the encounter between writing and staging/recreation in Santareno over this period of six decades, I organized this work around five thematic axes: sexuality, mysticism, power, marginality and freedom. These thematic groups give greater mobility and plurality to the interpretation of Santareno's dramaturgy, expanded by its scenic expression and performative dimension, in creations from 1957 to 2017. In addition to Santareno's first stagings which, still during the Estado Novo, were truly significant for the very affirmation of the author's work, I place other creations closer to the new theatrical languages, affectionate to the performative field, which reinvented the way in which Santareno's dramatic force can effectively expand on stage and accompany the constant reinvention of his legacy. The intention is to open new paths in the reading of this dramatic work, which certainly celebrates in this year of 2020 the centenary of the birth of this Portuguese playwright. At the same time, this thesis includes data on the work and life of the author which, for different reasons, were not accessible to general knowledge. By way of example, we call special attention to the staging of The Betrayal of Father Martinho (1969) in Cuba. It was in 1970, when the Portuguese director Rogério Paulo staged this work of Santareno with the company Rita Montaner, in the city of Havana. As part of this investigation, I went to Cuba, where I gathered information about this case, namely personal accounts of actors who participated in this play and who I interviewed. This material was used to reconstruct the account and analysis of this relevant episode of the presence of Portuguese dramaturgy in exile. It was intended to draw attention to the fact that there is a dramatic production that precedes the year 1957, corresponding to A Promessa, and therefore the need to integrate this material into the theatre of Santareno was urgent. Excluding or even neglecting it does not seem a critical attitude compatible with the study of this author. To this end, the present thesis contributes with the analysis of Confession (1945); a dramatic text written by Bernardo Santareno while still a young medical student. This research was intended to contribute to the deconstruction of ideas and facts that seemed definitive. In my opinion, we should not assume as closed the task of reading Bernardo Santareno and his theatre. On the contrary, the dynamism of the research and the staging demands constant updating, because his dramaturgy has been reinvented on stage.