“Guitarra com gente dentro”: Para uma reflexão crítica sobre as práticas colaborativas de Carlos Paredes – o caso de Invenções Livres

Abstract

Carlos Paredes' musical journey is punctuated by a series of artistic collaborations. Although Paredes' guitar practice is often associated with an authorial repertoire of a soloistic and singular nature, the aim here is to better understand the meaning of artistic, social and affective relationships in the complex formation of his collaborative dimension. This work considers Paredes' collaborative path, taking into account the artistic and interconnected relationships he develops as an apprentice, performer and composer. His performance as a composer-performer (guitarist), characterized by great musical coherence, also results from a strong physical and technically creative relationship with the instrument, developed both in his instrumental and musical training (essentially with his father, Artur Paredes) and in contact with other musical influences. In fact, much of Carlos Paredes' career was developed accompanying and performing with other musicians. His first recordings are precisely accompanied by Artur Paredes and the voice of Augusto Camacho Vieira, and it was only at the age of 37 that he recorded his first solo work. This dissertation considers the way in which Paredes participates in the creative process of other musicians and composers, in some cases as an interpreter, in others as an interpreter-composer.In 1986, Carlos Paredes recorded an album of improvisations with António Victorino d’Almeida. The present work focuses on this record, analyzing the way in which Carlos Paredes interacts musically with another musical impulse, creative and improvisational, and which often develops a musical language far from his own. I consider how Paredes’ training, based in particular on oral transmission techniques and his physical relationship with the instrument, influences the way he develops, or not, a musical dialogue with Victorino d’Almeida. I consider that both in this and in other collaborations, especially during Paredes' great artistic maturation phase, there is a productive tension between the relational impulse with another musical personality and the structuring of his musical discourse characterized by the coherence of his compositional voice and the resources of his guitarist physicality. We can interpret the artistic proposal of this musical collaboration between Paredes and Victorino d’Almeida as poly-discursive, in which the collaborative intentionality retains a strong integrality in the languages of the participants, while also promoting a hybrid cultural experience.

O percurso musical de Carlos Paredes está pontuado por uma série de colaborações artísticas. Embora a prática guitarrística de Paredes seja frequentemente associada a um repertório autoral de cariz solístico e singular, pretende-se aqui compreender melhor o significado das relações artísticas, sociais e afetivas na formação complexa da sua dimensão colaborativa. Este trabalho considera o percurso colaborativo de Paredes atendendo às relações artísticas e interconectadas que vai desenvolvendo enquanto aprendiz, intérprete e compositor. A sua atuação como compositor-intérprete (guitarrista), caracterizada por uma grande coerência musical, resulta também de uma forte relação física e tecnicamente criativa com o instrumento, desenvolvida tanto na sua formação instrumental e musical (essencialmente com seu pai, Artur Paredes) como no contacto com outras influências musicais. Com efeito, grande parte da carreira de Carlos Paredes foi desenvolvida acompanhando e atuando com outros músicos. Os seus primeiros registos discográficos são precisamente a acompanhar Artur Paredes e a voz de Augusto Camacho Vieira, e somente aos 37 anos grava o seu primeiro trabalho a solo. Esta dissertação considera o modo como Paredes participa no processo criativo de outros músicos e compositores, nalguns casos como intérprete, noutros como intérprete-compositor. Em 1986, Carlos Paredes grava um disco de improvisações com António Victorino d’Almeida. O presente trabalho focaliza-se neste registo discográfico, analisando o modo como Carlos Paredes interage musicalmente com outro impulso musical, criativo e improvisado, e que frequentemente desenvolve uma linguagem musical distante da sua. Considero de que forma a formação de Paredes, assente nomeadamente nas técnicas de transmissão oral e a sua relação física com o instrumento, influencia a forma como desenvolve, ou não, um diálogo musical com Victorino d’Almeida. Considero que tanto nesta como noutras colaborações, especialmente já fase de grande maturação artística de Paredes, há uma tensão produtiva entre o impulso relacional com outra personalidade musical e a estruturação do seu discurso musical caracterizado pela coerência da sua voz composicional e pelos recursos da sua fisicalidade guitarrística. Podemos interpretar a proposta artística desta colaboração musical entre Paredes e Victorino d’Almeida como poli-discursiva, em que a intencionalidade colaborativa retém uma forte integralidade nas linguagens dos intervenientes, enquanto promove também uma experiência cultural híbrida.