Responsabilidade civil delitual e inteligência artificial: (re)compreensão dos requisitos do nexo de causalidade e da culpa à luz dos danos causados por agentes autónomos

Abstract

É consabido que a Inteligência Artificial (doravante IA) traz consigo inúmeros benefícios. Pense-se nos avanços que são possíveis em áreas como a medicina, nas ciências exatas, entre outras. Aliás, hodiernamente, e sem que nos apercebamos, contactamos com objetos cuja essência reside, precisamente, nessa IA. Ora, se é verdade que a IA acarreta consigo inúmeros benefícios, não é menos verdade que tem a potencialidade de causar largos danos.Em bom rigor, encontramo-nos perante mecanismos cuja capacidade de armazenamento é superior à dos seres humanos, e cuja capacidade de aprendizagem com o seu meio potencia a prática de atos que são imprevisíveis.Esta característica da imprevisibilidade assume especial relevo no plano jurídico 1e, no âmbito do presente trabalho, na responsabilidade civil. No ordenamento jurídico português, para que determinado sujeito possa ser responsabilizado civilmente, há que determinar se, à luz do caso concreto, estão verificados um conjunto de pressupostos, a saber: facto praticado pelo agente, a ilicitude, o dano, a culpa e o nexo de causalidade.A aferição dos pressupostos em causa está longe de ser uma tarefa fácil para o julgador, tendo de ponderar, em cada situação, as idiossincrasias apresentadas pelo caso concreto. Juntando à equação a prática de factos por entes dotados de IA, a tarefa de saber como se aferrem estes pressupostos demonstra-se tanto mais difícil. Neste sentido, a presente dissertação procura dar resposta a duas questões principais: 1) como é que se afere o nexo de causalidade no âmbito da IA; e 2) podem estes entes ser centro autónomo de imputação de um juízo de culpa? Para tanto, começamos, numa primeira parte, por realizar um pequeno escurso sobre a história, finalidades e os pressupostos da responsabilidade civil (designadamente, facto voluntário do agente, ilicitude e dano). Numa segunda parte procurámos formular os problemas em causa, densificando conceitos como inteligência artificial e robô inteligente. Ademais, almejamos concretizar o porque do foque da presente dissertação se encontrar nos pressupostos da culpa e do nexo de causalidade. Por sua vez, dedicámos a terceira parte ao pressuposto da culpa e a quarta ao nexo de causalidade.Assim o fizemos, pois, só mediante a verificação de um nexo de causalidade (que havemos de determinar que deverá ser entendido como nexo de imputação) é que se pode relacionar o ato que foi praticado pelo ente dotado de IA e por um qualquer ato do produtor ou fornecedor daquele mecanismo. Por outro lado, é no pressuposto da culpa que encontramos a distinção entre responsabilidade civil objetiva e subjetiva, i.e., independente ou dependente de culpa. Assim sendo, caso se determine que estes entes não são suscetíveis de um juízo de culpa, então a solução terá de passar ou pela responsabilização subjetiva do produtor ou fornecedor, ou pela criação de novas hipóteses de responsabilidade objetiva, reclamando-se, nesse caso, a intervenção do legislador, porquanto a responsabilidade objetiva está sujeita a um princípio da taxatividade, conforme dispõe o art.º 483.º n.º 2 do Código Civil (doravante CC).Assim, é nosso âmago contribuir de forma singela para a compreensão da responsabilidade civil à luz dos danos praticados pela IA, e, mais concretamente, perceber como é que se afere o nexo de causalidade, e bem assim se será possível imputar um juízo de censura ético-jurídica a estas novas máquinas do século XXI.

Artificial Intelligence (from now on AI) can bring countless benefits. Just consider the developments that are possible in areas such as medicine, exact sciences, among others. In fact, in our day-to-day life, without even noticing, we come across objects whose essence resides, precisely, in artificial intelligence. However, if it is true that AI brings countless benefits, it is also true that it could cause a lot of damages. Truthfully, we stumble upon mechanisms whose storage capacity is superior to those of human beings, and whose ability to learn from it´s environment can enhance the practice of unpredictable acts.This characteristic of unpredictability has special importance in the field of law, and in the present dissertation, in the field of civil liability. In portuguese law, for a person being liable, we have to establish if in light of the circumstances of the case certain requisites are fulfilled, such as: a human fact, unlawfulness, damage, link between the act itself and the damages that it causes and fault.Understanding if those requisites are fulfilled is not an easy task for the judge, since it´s necessary, in every scenario, to ponder the singularities of each case.If we add AI to this equation, the job becomes even more difficult. We started by writing about the history of civil liability, it´s teleology and it´s requisites (specially, human fact, unlawfulness and damage). Secondly, we aimed to define artificial intelligence and smart robots. Subsequently, it was our goal to discuss our focus regarding fault and the link between the act itself and the damages that it caused. Therefore, the present dissertation aims to answer two main questions: 1) how do we establish the causality link in the field of AI; and 2) can these agents be an autonomous center for fault?This is due to the fact that, the answer to the prior questions shapes the results we´ll find.This is because only by establishing the causality link is it possible to relate the act that was practiced by that agent – the one ingrained with AI - and the manufacturer of that agent. On the other hand, it is in the requisite of fault where we find the distinction between objective responsibility and subjective responsibility i.e independent of fault and dependent of fault. Accordingly, if we determine that these agents are not capable of fault, then the solution must be, necessarily, the responsibility dependent of fault of the producer or supplier, or it must become subordinated to legislative intervention. This is due to the fact that objective responsibility is reliant on a taxativity principle, (n.º 2 of the article 483.º of the civil code (from now on CC). In conclusion, it is our goal to contribute to the (re)understating of civil liability in the light of damages caused by AI, more concretely understanding how do we determinate the causality link and if it is possible to atribute the concept of fault to these new machines of the XXI century.