RESPONSABILIDADE PENAL DA EMPRESA A TÍTULO DE CUMPLICIDADE POR ATOS NEUTROS Uma Análise do Caso Lafarge

Abstract

O caso Lafarge é o primeiro processo criminal, julgado nos tribunais franceses, em que uma empresa é acusada de cumplicidade em crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos pelo Islamic State in Iraque and Syria, no contexto de uma guerra civil, sendo a primeira acusação deste tipo em todo o mundo contra uma entidade corporativa. Mesmo que ainda não existe uma decisão final, este caso, mostra-se ser o ponto de viragem na impunibilidade das empresas transnacionais que operam em países terceiros e fomentam os conflitos que aí ocorrem, com vista o aumento dos seus lucros. Ao longo desta dissertação, iremos analisar as dificuldades existentes em responsabilizar penalmente uma pessoa coletiva, seja ao nível internacional, seja ao nível interno. Pois, por uma lado, o Tribunal Internacional Penal não tem jurisdição sobre as pessoas coletivas, sendo a regra a de responsabilidade individual. Por outro lado, mesmo que exista a possibilidade de efetivar esta responsabilidade com recuso ao princípio da jurisdição universal, é necessário que nos ordenamentos jurídicos internos esteja prevista esta responsabilidade. No direito português mesmo que a pessoa coletiva possa ser penalmente responsável, a complexidade aumenta pelo facto de não ser prevista de forma expressa a possibilidade de responsabilização da pessoa coletiva por cumplicidade, Assim, quando a empresa não viola diretamente os direitos humanos, mas no exercício da sua atividade económica, presta um ato de auxílio a uma organização terrorista, há complexidades em imputar esse ato de auxílio à pessoa coletiva. A partir do estudo do caso Lafarge podemos percorrer diferentes matérias e diversos desenvolvimentos doutrinários sobre o assunto, com finalidade em resolver de forma hipotética o caso Lafarge do ponto de vista do direito interno.

The Lafarge case is the first criminal case, tried in French courts, in which a company is accused of complicity in crimes against humanity and war crimes committed by the Islamic State in Iraq and Syria, in the context of a civil war, being the first accusation of its kind worldwide against a corporate entity. Even if there is still no final decision, this case proves to be the turning point in the impunity of transnational corporations that operate in third countries and foment the conflicts that occur there, with a view to increasing their profits. Throughout this dissertation, we will analyze the existing difficulties in criminalizing a legal person, either at the international level or at the domestic level. For, on the one hand, the International Criminal Court has no jurisdiction over legal persons, the rule being that of individual responsibility. On the other hand, even if it is possible to carry out this responsibility by rejecting the principle of universal jurisdiction, it is necessary that this responsibility be provided for in domestic legal systems. In Portuguese law, even if the legal person may be criminally responsible, the complexity increases due to the fact that the possibility of holding the legal person accountable for complicity is not expressly provided for, Thus, when the company does not directly violate human rights, but in the exercise of its economic activity, provides an act of assistance to a terrorist organization, there are complexities in imputing that act of assistance to the legal person. From the study of the Lafarge case, we can go through different matters and various doctrinal developments on the subject, in order to hypothetically resolve the Lafarge case from the point of view of domestic law.