Os créditos não abrangidos pela exoneração do passivo restante – Indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, nos termos do artigo 245.º, n.º 2 do CIRE.

Abstract

A facilidade de acesso ao crédito por parte das famílias contribui de forma inegável para o endividamento das pessoas singulares, levando a um exponencial aumento dos processos de insolvência em geral e das pessoas singulares muito em particular. Em 2004 entrou em vigor na nossa ordem jurídica o instituto jurídico da exoneração do passivo restante com o objetivo de permitir a reabilitação económica dos devedores pessoas singulares através da extinção dos créditos. Sucede, porém, que, não se trata de uma extinção total, existindo créditos que se encontram excluídos da eventual concessão da exoneração do passivo restante. Razão pela qual, em muitos casos se verifica que a exoneração do passivo restante não cumpre o seu papel designadamente quando pensamos nos devedores que apenas possuem dívidas que se encontram excluídas do âmbito deste benefício, colocando-os em verdadeiras situações difíceis, tal como sucede no caso dos créditos relativos a indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor pois os mesmos encontram-se expressamente excluídos da exoneração conforme determinado por lei. Relativamente ao presente trabalho iniciaremos a nossa explanação por uma breve alusão à insolvência enquanto processo de execução universal cuja finalidade é a satisfação dos credores e à exoneração do passivo restante enquanto consequência desse processo sempre que o mesmo se reporte a devedores pessoas singulares. Deter-nos-emos no estudo mais aprofundado da concessão da exoneração do passivo restante, caracterização, benefícios, procedimento da exoneração e a temática da exclusão de certos créditos da exoneração do passivo restante, onde se consagra a exclusão dos créditos indemnizatórios devidos por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade. Dedicaremos um capítulo autónomo do nosso trabalho às alterações trazidas pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, publicada em Diário da República no dia 11/01/2022, e que entrará em vigor 90 dias após a sua publicação (11/04/2022), a qual estabelece medidas de apoio e agilização dos processos de reestruturação das empresas e dos acordos de pagamento, transpõe a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, e altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Código das Sociedades Comerciais, o Código do Registo Comercial e legislação conexa. Importa alertar, no que à temática em discussão neste trabalho diz respeito, que na referida lei pode ler-se que “Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste”. Vale por dizer que o prazo de 5 anos é agora reduzido para três anos, findo o qual termina o período de cessão de rendimento disponível, libertando-se o devedor das dívidas restantes. Razão pela qual, salientamos desde já que, não obstante ao longo do presente trabalho fazermos referência ao prazo atualmente em vigor de 5 anos – alertando que optamos por sustentar a presente dissertação ao abrigo da lei vigente por ser a que ainda é aplicável aos processos em curso -, com a entrada em vigor da aludida lei, o mesmo será reduzido para três anos. Pretendemos que esta dissertação sirva de guia para futuras alterações e para chamar à atenção relativamente a questões de relevância, designadamente quer quanto à temática da exclusão de certos créditos da exoneração do passivo restante, onde se consagra a exclusão dos créditos indemnizatórios devidos por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, quer relativamente à Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro.

The ease of access to credit by households undeniably contributes to the indebtedness of natural persons, leading to an exponential increase in insolvency proceedings in general and of individuals very much in particular. In 2004, the legal institute for the exemption of remaining liabilities entered into force in our legal order with the aim of enabling the economic rehabilitation of debtors by extinguishing the claims.It follows, however, that this is not a total extinction, and there are claims which are excluded from the possible grant of the exemption from the remaining liabilities.That is why, in many cases it is found that the exemption from the remaining liabilities does not fulfil its role, in particular when we think of debtors who only have debts which are excluded from the scope of that benefit, putting them in real difficult situations, as in the case of claims relating to damages due to unlawful acts committed by the debtor because they are expressly excluded from the exoneration.Regarding the present work, we will begin our explanation with a brief allusion to insolvency as a universal execution process whose purpose is the satisfaction of creditors and the exoneration of the remaining liabilities, as a consequence of this process whenever it refers to natural debtors persons.We will focus on a more in-depth study of how in granted of the exemption of the remaining liabilities, characterization, benefits, the procedure of the exemption and the theme of the exclusion of certain credits from the exemption of the remaining liabilities, where the exclusion of indemnity credits due for unlawful acts is established. intentional acts committed by the debtor, which have been claimed in that capacity.We will dedicate a separate chapter of our work to the changes brought by the Law n.º 9/2022, of 11 January, published in Diário da República on 11/01/2022, and which will enter into force 90 days after its publication (11 /04/2022), which establishes measures to support and streamline the processes of restructuring companies and payment agreements, transposes Directive (EU) 2019/1023, of the European Parliament and of the Council, of 20 June 2019, and amends the Insolvency and Corporate Recovery Code, the Commercial Companies Code, the Commercial Registry Code and related legislation.It is important to point out, with regard to the theme under discussion in this work, that in the aforementioned law can read that "If the debtor is a natural person, he may be granted the exemption of claims on insolvency that are not fully paid in the process. of insolvency or in the three years following its closure”. It is worth mentioning that the period of 5 years is now reduced to three years, at the end of which the period of transfer of disposable income ends, releasing the debtor of the remaining debts.For this reason, we emphasize right away that, despite the fact that throughout the present work we make reference to the term currently in force of 5 years - alerting that we chose to support this dissertation under the current law as it is still applicable to the processes in course - with the entry into force of the aforementioned law, it will be reduced to three years.We intend that this dissertation will serve as a guide for future changes and to draw attention to relevant issues, namely regarding the issue of the exclusion of certain credits from the exoneration of the remaining liabilities, which enshrines the exclusion of indemnity credits due for intentional unlawful acts. committed by the debtor, who have been claimed in that capacity, or in relation to Law No. 9/2022, of 11 January.