Referenciação para Cuidados Paliativos (CP) num hospital diferenciado: motivação, obstáculos e desafios.

Abstract

Introdução: Os cuidados paliativos (CP) têm vindo a receber uma importância crescente que se deve ao envelhecimento populacional e, consequente, aumento do número de doentes com patologia crónica, progressiva e grave. Trata-se de uma área de prestação de cuidados de saúde multidisciplinar com importante impacto na melhoria da qualidade de vida e de morte destes doentes e seus familiares. Sabe-se que a referenciação precoce dos doentes é importante na maximização dos benefícios dos CP; no entanto, esta referenciação continua a ser diminuta e tardia, verificando-se também existirem dificuldades no acesso aos mesmos. Objetivos: O presente trabalho tem três objetivos principais: i) caraterizar os doentes referenciados para os CP no Hospital Divino Espírito Santo de Ponta Delgada (HDES), ii) avaliar os motivos dos médicos do HDES para fazer ou não fazer a referenciação de doentes para os CP e iii) identificar o grau de formação em CP numa amostra de médicos da Instituição. Métodos: Realizou-se um estudo observacional transversal retrospetivo descritivo das caraterísticas dos doentes referenciados para os CP no HDES. Através da consulta da base de dados da Unidade de Cuidados Paliativos (UCP) deste Hospital, recolheu-se informações dos doentes referenciados para os CP de julho de 2014 a novembro de 2020. Foi, igualmente, efetuado um estudo observacional descritivo, através da aplicação de um questionário anonimizado a uma amostra de conveniência dos médicos da Instituição. Na análise estatística dos dados utilizou-se o software RStudio. Resultados: Dos 468 doentes (amostra), 51,7% eram homens e a média de idades foi de 69,2 anos. A maioria foi referenciada pelas especialidades de Oncologia Médica (37,0%), com uma média de tempo de admissão de 15,2 dias. O óbito ocorreu maioritariamente em ambiente hospitalar: 62,8% na UCP e 24,0% noutros serviços do HDES. O tempo médio até ao óbito foi de 112,6 dias. Dos 30 médicos inquiridos, 67,7% eram mulheres e 30,0% são especialistas de Medicina Interna; a média das suas idades foi de 35 anos. Relativamente à formação em CP, 70,0% não têm formação, mas 81% destes gostaria de adquiri-la. Dos profissionais com formação (30%), o principal grau é o básico (44,4%). Quando questionados sobre a frequência com que referenciam doentes que beneficiam destes cuidados, 43,3% dos médicos diz fazê-lo na maioria das vezes, sendo que esta referenciação ocorre predominantemente nos doentes com patologia oncológica (53,6%) e menos nos idosos (13,3%). O principal motivo de referenciação, escolhido por 43,8% dos médicos, foi considerar que os CP são os mais adequados para o doente, atendendo à sua condição; o de não referenciação, escolhido por 21,3% médicos, foi a recusa por parte do doente. Discussão: À semelhança de outros estudos, os doentes que são referenciados para os CP são maioritariamente provenientes do Serviço de Oncologia, e a referenciação ocorre em fases tardias da doença, com o óbito a acontecer pouco depois da admissão e sobretudo em ambiente hospitalar. No presente estudo, verificou-se que o tempo de espera para a admissão nos CP do HDES foi inferior ao encontrado a nível nacional. A maioria dos médicos não tem formação em CP, mas está ciente da sua importância e diz ter vontade de adquiri-la. Verifica-se que as especialidades com mais médicos com formação em CP são também as que mais doentes referenciam. As principais razões para a referenciação são a perceção i) da mais-valia que os CP representam, ii) de que investir em estratégias curativas é causar mais sofrimento desnecessário e iii) da necessidade de apoio no controlo sintomático. Os principais motivos para a não referenciação são a recusa do doente ou familiares e o desconhecimento do momento adequado para a referenciação dos doentes. A dificuldade em referenciar é sobretudo devida ao desconhecimento dos objetivos e das possibilidades dos CP contribuírem eficazmente quer no controlo sintomático adequado, quer na melhoria da qualidade de vida dos doentes e famílias, traduzindo a necessidade de formação em CP. Conclusão: No presente estudo, conclui-se que a referenciação para os CP ocorre numa fase tardia da doença, apesar do tempo de admissão na UCP do HDES ser um dos mais baixos do país. Os médicos que responderam ao inquérito conhecem e sabem o que são os CP e a sua importância. As principais limitações à referenciação identificadas foram a recusa do doente e/ou da família, e a dificuldade em identificar o momento ideal para a fazer. Os médicos com formação em CP são os que mais referenciam doentes para estes cuidados de saúde. A formação em CP pré- e pós-graduada é necessária para garantir que a fase final de uma doença crónica, progressiva e causadora de grande sofrimento, assim como o fim de vida sejam vividos com o maior conforto e qualidade de vida possíveis.

Background: A growing importance has been given to palliative care (PC) due to population ageing and the consequent increase in the number of patients with chronic, progressive, and severe diseases. This is an multidisciplinary area with an important impact on improving the quality of life and death of these patients and their families. It is known that early referral is important to enlarge the benefits of PC, however, the medical referral remains small and late, hampering access to appropriate care. Objectives: The present study had three main objectives: i) characterization of the population of patients referred to PC in the Hospital Divino Espírito Santo de Ponta Delgada (HDES), ii) to assess the main motivations and barriers of the Institution physicians to refer patients to PC and iii) identify the degree of PC training of the Institution's physicians.Methods: A descriptive retrospective cross-sectional observational study of the characteristics of patients referred to PC in the HDES was conducted. Through the consultation of the database from the Palliative Care Unit (PCU) of this Hospital, information from patients referred to PC from July 2014 to November 2020 was collected. Another descriptive observational study was also carried out, through the implementation of an anonymized questionnaire to a convenience sample of the Institution's physicians. In the statistical analysis of data was used RStudio software.Results: Of the 468 patients (sample) 51.7% were men and the average age was 69.2 years. The largest part was referred by Medical Oncology specialists (37.0%) with an average waiting time for admission of 15.2 days. The death occurred mostly in the hospital environment: 62.8% in the PCU and 24.0% in other HDES wards. The average time until the death was 112.6 days.Of the 30 physicians interviewed, 67.7% were women and 30,0% were specialists in Internal Medicine; their average age was 35 years old. Relatively to the formation in PC, 70,0% don’t have training, but 81,0% of them would like to acquire it. Among the doctors with training (30,0%), basic education was the most frequent (44,4%). When asked about the frequency with which they refer patients who benefit from this care 43.3% of doctors say they do it most of the time, and this referral occurs predominantly for patients with cancer (53.6%) and less for elderly patients (13.3%). The main reason for referral, chosen by 11 of the physicians, was to consider that PC are the most appropriate for their patients, given their conditions. The reason for non-referral, chosen by 13 of the physicians, was the refusal by the patient.Discussion: Like other studies, patients referred to PC are mostly from the Oncology Service, and this referral occurs in late stages of the disease, with death occurring shortly after admission and mainly in hospital environment. In this study, it was possible to verify that the waiting time for admission in the PC of HDES was lower than that found at national level. Most physicians do not have training in PC, but are aware of its importance and say they want to acquire it. It was found that the specialties with more physicians with training in PC are also the ones that mostly refer patients to PC. The three main reasons for referencing were the perception i) of the added value that PC represents, ii) the awareness that investing in curative strategies is causing more unnecessary suffering and iii) the need of support in symptomatic control. The main reasons for non-referral were the refusal of care by the patient or family members and the medical unawareness of the appropriate time for referring those patients. The difficulty in referencing is mainly due to the lack of knowledge of the objectives and possibilities of PCs to contribute effectively, either in the adequate symptomatic control, or in improving the quality of life of patients and families, reflecting the need for training in PC. Conclusion: According to the results found in the present study, it can be concluded that referral of patients to PC occurs in a late phase of the disease, although the waiting time to admission in the PCU of HDES being one of the lowest in the country. The HDES physicians who answered to the questionnaire know what PC are and what’s its importance. The main barrier to patient referral identified was the refusal of care by the patient and/or family and difficulty in identifying the ideal time to do it. Physicians with PC training are the ones who most refer patients to this area of healthcare.The physician's pre and post-graduate training in PC is necessary so that the final phase of chronic and progressive disease, as well as the end of life, can be lived with the greatest comfort and quality possible.