Hiperutilizadores do serviço de urgência num hospital pediátrico português nível 3

Abstract

Introdução e Objetivos: O recurso aos serviços de urgência pediátrica tem aumentado ao longo dos anos e à escala global, com potenciais repercussões, como aumento do tempo de espera, elevada carga assistencial para os profissionais e deterioração do atendimento a quem realmente necessita. As crianças e os adolescentes com recurso excessivo ao serviço de urgência podem designar-se de hiperutilizadores, não sendo a definição deste termo ainda consensual. O objetivo deste estudo foi identificar e caracterizar os hiperutilizadores do Serviço de Urgência do Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.Métodos: Procedemos à realização de um estudo retrospetivo unicêntrico, descritivo e analítico das observações no serviço de urgência durante o ano de 2018, através dos registos clínicos no S-Clínico. Definimos hiperutilizador como o doente com dez ou mais observações nesse ano.Resultados: Identificámos 185 hiperutilizadores de um total de 33.189 doentes observados (0,6%), responsáveis por 2.268 (3,6%) dos 63.650 episódios de urgência. A mediana da idade foi de 13 meses (0-17 anos), tendo 79,5% dos doentes idade igual ou inferior a dois anos. A maioria era primeiro filho (63,8%) e 78,9% pertenciam ao distrito de Coimbra. Todos tinham médico de família atribuído. Os episódios de urgência distribuíram-se ao longo de todo o ano, com predomínio no turno das 16 às 24 horas, das prioridades urgente (46,1%) e pouco urgente (44,0%) e do recurso à urgência sem referenciação (85,8%). Tinham doença crónica 40,5% dos doentes (73,3% asma), porém 61,0% dos episódios não se relacionaram com a doença de base. As patologias infeciosa, respiratória e gastrointestinal justificaram 67,0% das observações (rinofaringite aguda 15,4%, bronquiolite aguda 11,0%, vómitos/diarreia 9,7%). Em 73,7% não se realizaram exames complementares de diagnóstico e 91,0% tiveram alta sem referenciação. Apenas 21,3% das observações estavam relacionadas com o episódio prévio, tendo-se verificado maior realização de exames complementares (p=0,014), prescrição antibiótica, internamento e referenciação à data da alta nesses episódios (p=0,00).Discussão e Conclusão: Os hiperutilizadores foram crianças de baixa idade, primeiro filho, com médico de família, maioritariamente com patologia infeciosa. Cerca de um terço tem patologia crónica, não sendo, contudo, esse o motivo do recurso à urgência. Embora a grande maioria não tenha feito exames complementares e tenha tido alta sem referenciação, o perfil alterou-se quando as observações foram relacionadas com o episódio de urgência prévio. O conhecimento das características clínicas, familiares e sociais dos hiperutilizadores poderá ajudar a delinear estratégias para reduzir a afluência recorrente e inapropriada ao Serviço de Urgência.

Introduction and Objectives: The use of pediatric emergency services has increased over the years and on a global scale, with potential consequences, such as increased waiting times, high assistance burden for professionals and deterioration of care to those who really need it. Children and adolescents with excessive use of the emergency service can be called high-users, and the definition of this term is not yet consensual. The aim of our study was to identify and characterize the high-users of the Emergency Department of the Pediatric Hospital of the Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.Material and Methods: We carried out a single-center, descriptive and analytical retrospective study of the observations in the emergency service during 2018, through clinical records in the S-Clinico. We defined high-user as the patient with ten or more observations in this year.Results: 185 high-users were identified from a total of 33,189 observed patients (0.6%), responsible for 2,268 (3.6%) of the 63,650 emergency visits. The median age was 13 months (0-17 years), with 79.5% of the patients aged two years or less. Most were the first child (63.8%) and 78.9% belonged to the district of Coimbra. All had an assigned family doctor. Urgent episodes were distributed throughout the year, with a predominance in the shift from 4 pm to midnight, of the urgent (46.1%) and non-urgent (44.0%) priorities and of the use of urgency without referral (85.8%). 40.5% of the patients had chronic disease (73.3% asthma), but 61.0% of the episodes were not related to the underlying disease. Infectious, respiratory and gastrointestinal diseases accounted for 67.0% of the observations (acute rhinopharyngitis 15.4%, acute bronchiolitis 11.0%, vomiting / diarrhea 9.7%). In 73.7% there were no diagnostic tests performed and 91.0% were discharged without referral. Only 21.3% of the visits were related to the previous episode, with a higher number of diagnostic tests (p=0.014), antibiotic prescription, hospitalization and referral at the date of discharge in these episodes (p=0.00).Discussion and Conclusion: In our study, the high-users were young children, first child, with a family doctor, mostly with infectious disease. About a third has a chronic condition, but this is not the reason for resorting to the emergency service. Although the vast majority did not have diagnostic test performed and were discharged without referral, the profile changed when the observations were related to the previous emergency episode. Knowledge of the clinical, family and social characteristics of the high-users may help to devise strategies to reduce recurrent and inappropriate affluence to the Emergency Department.