Representação da Informação em Arquivos Deslocados: uma metassíntese de literatura qualitativa

Abstract

Esta comunicação visa realizar uma síntese qualitativa de literatura relativa à representação da informação em arquivos deslocados. O conceito de “arquivo deslocado” é polissémico e integra diversos termos na literatura arquivística em distintas línguas (u.g., arquivo removido, expatriado, exilado, migrado, confiscado, contencioso arquivístico, etc.). Desta forma, o objetivo deste estudo consiste em realizar uma prospeção de literatura que informe sobre como a comunidade científica se debruçou sobre a representação da informação em arquivos deslocados. Pretende-se responder à seguinte questão de investigação: “Como as entidades arquivísticas têm representado os arquivos deslocados de acordo com a literatura científica produzida entre 1954 e 2019 no domínio da Ciência da Informação?”. Metodologicamente, esta comunicação encontra-se configurada numa metassíntese orientada à construção de teoria, constituindo-se num tipo de estudo de tipo não reativo, de base documental e exploratória, focalizada em artigos e capítulos em livros publicados em inglês entre 1954 a 2019. A recolha de textos é suportada pela estratégia SPICE, aplicada na pesquisa em bases de dados (WoS e EBSCO). Adotamos a análise de conteúdo de acordo com os pressupostos de Charmaz (2006) e de Finfgeld-Connett (2018). Dos 443 registos, que a pesquisa nos devolveu, incluímos 155 textos que responderam aos propósitos do estudo. Predominam estudos de caso, explícitos ou não, simples ou sobrepostos com outros métodos (análises téorico--conceptuais, métodos biográficos, retórica coletiva), análises históricas, análises teórico-conceptuais, métodos etnográficos, auto-etnográficos e investigação naturalística. Os métodos menos frequentes são a análise de conteúdo ou temática, a análise documental, o estudo longitudinal e o relatório de investigação. Os principais fatores incoativos de remoção de arquivos dos seus contextos originários, que emergiram desta metassíntese, derivam de fenómenos ocorridos em contexto de conflito armado, de descolonização, de sucessão de Estados e do tráfico ilícito de bens culturais. Além disto, emergiram novos casos de arquivos constituídos na diáspora, casos de conflito de custódia em contexto subnacional e a dispersão de arquivos na web/nuvem. Esta diversidade também se manifesta em conjuntos documentais não só com valor histórico e/ou administrativo para as comunidades desapossadas, mas também nas suas múltiplas materialidades (analógico/digital, audiovisual, textual, iconográfico, etc.). Foram constituídos três temas que emergiram da análise de conteúdo em torno do tema suprarreferido: (1) “anarquivismo como (não) representação”: analisámos processos de representação anarquívica praticadas por algumas entidades custodiantes, através da manipulação do conteúdo por motivos políticos e ideológicos no sentido de obscurecer a proveniência ou de descaracterizar a ordem original (u. g. “higienização do passado colonial”, “troféus de guerra”, eufemização); (2) “arquivo do arquivo” (como “meta-arquivo” e “arqui-arquivo”): exploramos como os “arquivos dos arquivos” representam os conjuntos documentais removidos dos seus contextos originários, como forma de empoderar as entidades custodiantes através de mecanismos adotados para o controlo, gestão e determinação de políticas de acesso; e (3) “cânone arquivístico”: verificamos como as representações de arquivos deslocados em instrumentos de acesso visam legitimar cânones arquivísticos institucionais, com ênfase em torno de representações em ambiente digital. Em suma, embora os arquivos deslocados constituam um tema emergente em diversos domínios, importa explorar no âmbito da Organização do Conhecimento.