Inimputabilidade e perigosidade: uma caracterização do perfil demográfico, clínico e forense dos doentes internados na unidade de internamento de psiquiatria forense de Coimbra.

Abstract

Introdução:A investigação empírica sobre as características das pessoas internadas em unidades de psiquiatria forense e do tratamento psicofarmacológico que lhes é instituído é escassa em Portugal. Este estudo tem como objetivo descrever as características sociodemográficas, clínicas e criminológicas dos doentes internados numa unidade de psiquiatria forense em Portugal e o padrão de prescrição de psicofármacos nesse contexto assistencial. Pretende-se ainda analisar as diferenças entre doentes do sexo feminino e masculino e explorar as inter-relações entre as variáveis clínicas e criminológicas.Métodos: Foi realizado um estudo observacional retrospetivo, analisando os dados dos doentes internados no período entre Outubro de 2008 e Outubro de 2020 na unidade de Psiquiatria Forense do polo Sobral Cid do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Após uma análise estatística descritiva das características sociodemográficas, clínicas e criminais e do padrão de prescrição de psicofármacos, foram comparadas as características entre os doentes do sexo feminino e masculino. As conexões entre as 16 variáveis clínicas e criminológicas selecionadas foram exploradas através do método de análise em rede (Network Analysis). A construção da rede foi realizada recorrendo ao método de regularização graphical Least Absolute Shrinkage and Selection Operator (LASSO) combinada com o estimador Extended Bayesian information criterion (EBIC). Para avaliar a importância dos nodos na rede foram calculados índices de centralidade e de influência.Resultados:Dos 194 doentes internados, 153 (78,9%) eram do sexo masculino e 41 (21,1%) do sexo feminino. A idade média foi de 43,3 anos (DP = 13,8) e 74,7% dos doentes não tinham nenhuma atividade profissional, académica ou formativa no momento do internamento. Os diagnósticos psiquiátricos mais frequentes foram as perturbações psicóticas (56,7%), as perturbações neurodesenvolvimentais (33,5%) e as perturbações aditivas (21,1%). Dos doentes internados 24,2% apresentavam comorbilidades psiquiátricas e 38,7% comorbilidades médicas. Em relação a antecedentes, 77,8% tinham história de internamentos psiquiátricos, 21,6% história de comportamentos auto-lesivos e 37,1% antecedentes criminais. Os crimes contra as pessoas foram os mais frequentes, com 32,0% dos doentes internados julgados por crime de violência doméstica, 26,3% por homicídio e 11,3% por ofensas corporais.Em relação ao padrão de prescrição de psicofármacos, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nas doses prescritas de fármacos de diferentes grupos terapêuticos entre as categorias diagnósticas mais frequentes. A prescrição de múltiplos psicofármacos e de antipsicóticos em politerapia foi a regra. O uso de formulações injetáveis de antipsicóticos foi frequente (52,6%) e 18,6% dos doentes estavam medicados com Clozapina. Em relação aos antipsicóticos e às benzodiazepinas, as doses diárias prescritas estavam, em média, claramente acima da dose diária definida.As mulheres internadas apresentaram uma maior frequência de antecedentes de comportamentos auto-lesivos (χ2 = 4.786, p = 0.029). Existiam diferenças na frequência dos diagnósticos psiquiátricos formulados, com as perturbações psicóticas e as perturbações aditivas a serem menos frequentes nas mulheres (χ2 = 10.77, p = 0.001; χ2 = 5.955, p = 0.015) e as perturbações do humor mais frequentes (χ2 = 7.810, p = 0.005). Em relação às características criminológicas, foram apenas encontradas diferenças estatisticamente significativas (χ2 = 6.184, p = 0.013) na frequência do crime de homicídio entre o sexo feminino (41,5%) e os sexo masculino (22,2%).Na análise de rede efetuada as associações positivas mais robustas ocorreram entre variáveis relacionadas com os dados anamnésicos e outras variáveis relacionadas com o diagnóstico psiquiátrico (perturbações neurodesenvolvimentais, da personalidade e do humor) e a tipologia de crime (crimes de dano, crimes sexuais e incêndio). As conexões positivas diretas entre variáveis relacionadas com o diagnóstico psiquiátrico e tipologias de crimes foram menos frequentes, tendo sido detetada associações positivas entre o crime de dano e as perturbações psicóticas e aditivas, entre as perturbações de personalidade e os crimes sexuais e associações positivas menos robustas entre o crime de homicídio e as perturbações neurodesenvolvimentais e de personalidade. Foram encontradas diferenças importantes na influência esperada dos nodos da rede, com as variáveis históricas, as perturbações de personalidade e o crime de dano a destacarem-se como nodos com um papel mais significativo na ativação e persistência da rede.

Background: Empirical research on the characteristics of people hospitalized in forensic psychiatry units and the psychopharmacological treatment instituted in this care context is scarce in Portugal.This study aims to describe the sociodemographic, clinical and criminological characteristics of the patients admitted to a forensic psychiatric unit in Portugal as well as the psychiatric drugs prescription pattern in this care context. It was also intended to analyze the differences between female and male patients and to explore the relationships between clinical and criminological variables.Methods: A retrospective observational study was carried out, through the data analysis of patients admitted to the Sobral Cid Forensic Psychiatry unit of the Coimbra Hospital and University Center in the period comprised between October 2008 and October 2020 After the descriptive statistical analysis of the sociodemographic, clinical and criminal characteristics and also the pattern of prescription of psychiatric drugs, a comparative analysis was carried out between men and women. The connections between the 16 clinical and criminological selected variables were explored using the network analysis. The network construction used the Graphical Least Absolute Shrinkage and Selection Operator (LASSO) regularization method, combined with extended Bayesian information criterion (BIC) estimation model. To assess the importance of nodes in the network, centrality and influence indices were calculated.Results: The sample of this study had 194 inpatients, 153 (78.9%) were male and 41 (21.1%) females. The mean age was 43.3 years (SD = 13.8) and 74.7% of the patients had no professional, school or occupational activity at the time of admission. The most frequently formulated psychiatric diagnoses were psychotic disorders (56.7%), neurodevelopmental disorders (33.5%) and addictive disorders (21.1%). Regarding psychiatric and medical comorbidities, 24.2% of patients hospitalized in the period evaluated had at least two psychiatric diagnoses and 38.7% had concomitant medical conditions. 77.8% had a history of psychiatric hospitalizations and 21.6% had a history of self-injurious behaviors. 37.1% of the sample had a criminal record. Crimes against people were the most frequent, with 32.0% of hospitalized patients judged for the crime of domestic violence, 26.3% for homicide and 11.3% for bodily harm.Regarding the psychotropic prescription pattern, no statistically significant differences were found in the prescribed doses of drugs from different therapeutic groups between the most frequent diagnostic categories. The prescription of multiple psychotropic drugs and antipsychotics in polytherapy occurred as a rule. The use of injectable antipsychotic formulations was frequent (52.6%) and 18.6% of the patients were medicated with Clozapine. Regarding antipsychotics and benzodiazepines, the prescribed daily doses were, on average, clearly above the defined daily dose.Hospitalized women had a higher frequency of self-injurious behaviors (χ2 = 4,786, p = 0.029). There were differences in the frequency of formulated psychiatric diagnoses, with psychotic disorders and addictive disorders being less frequent in women (χ2 = 10.77, p = 0.001; χ2 = 5,955, p = 0.015). Mood disorders were more frequent in women (χ2 = 7,810, p = 0.005). Regarding the criminological characteristics, the only statistically significant differences (χ2 = 6,184, p = 0.013) were found in the frequency of homicide between females (41.5%) and males (22.2%).In the network analysis performed, the most robust positive associations occurred between variables related to anamnesis data and other variables related to psychiatric diagnosis and crime typology. In the network analysis performed, the most robust positive associations occurred between anamnesis related data and psychiatric diagnosis (neurodevelopmental, personality and mood disorders) and the type of crime (damage crimes, sexual crimes and fire).Direct positive connections between variables related to psychiatric diagnosis and crime typologies were less frequent, with positive associations being detected between harm and psychotic and addictive disorders, between personality disorders and sexual crimes. Weak positive associations were found between the crime of homicide and neurodevelopmental and personality disorders. Important differences were found in the expected influence of the network nodes, with historical variables, personality disorders and the crime of harm standing out as nodes with a more significant role in the activation and persistence of the network.