Perturbação Pós-Stresse Traumático da Guerra: Avaliação Psicologia e Modelo Preditivo dos Sintomas

Abstract

Introdução: a literatura apresenta um considerável consenso quanto ao facto das populações de militares expostos à guerra/combate possuírem uma elevada probabilidade de serem expostas a situações de extrema ameaça e de virem a desenvolver a Perturbação Pós Stresse Traumático (PTSD) e outras condições clínicas associadas. Porém, em Portugal, são escassos os instrumentos de medida e os estudos empíricos destinados a promover o conhecimento científico sobre a saúde mental dos Veteranos de guerra. Esta situação é particularmente notória em relação à vasta população de Veteranos da Guerra Ultramarina Portuguesa (Guerra Colonial e Invasão e Ocupação do antigo Estado Português na Índia pela União Indiana). A presente investigação, efetuada na referida população de Veteranos da Guerra do Ultramar, teve como principal objetivo minimizar as supracitadas limitações, ao apresentar um conjunto de estudos psicométricos que permitiu disponibilizar instrumentos de autorresposta aplicáveis à referida população alvo. Estas medidas avaliam a PTSD (versão Portuguesa da PTSD Checklist Military Version; PCL M) e potenciais fatores preditores desta perturbação, nomeadamente, a exposição ao combate e o consequente grau de perturbação emocional (Questionário de Experiências de Combate; QEC), a inflexibilidade psicológica associada ao trauma (versão Portuguesa do Acceptance and Action Questionnaire Trauma Specific; AAQ TS) e a dissociação peritraumática (versão Portuguesa do Peritraumatic Dissociative Experiences Questionnaire; PDEQ). Esta investigação explorou ainda um novo modelo mediacional explicativo da sintomatologia da PTSD de guerra, no qual foi hipotetizado que o evitamento experiencial, uma atitude autocrítica (processos de regulação emocional) e os sintomas comórbidos de depressão medeiam o impacto da exposição ao combate militar (frequência e perturbação emocional), das experiências de ameaça (memórias de ameaça na infância e ameaças de combate e de não combate), e das experiências de despersonalização/desrealização peritraumáticas, nos sintomas da PTSD. Método: os estudos possuem um desenho transversal. Participaram nesta investigação Veteranos que serviram na Guerra do Ultramar. Nos estudos psicométricos, a estrutura fatorial, consistência interna, fiabilidade temporal e validade convergente foram avaliadas em amostras da população geral de Veteranos. Na análise da validade discriminante, da invariância do modelo do PDEQ e da utilidade de diagnóstico da PCL M foram utilizadas amostras de Veteranos de Guerra com e sem um diagnóstico da PTSD de guerra. O modelo mediacional foi testado numa amostra da população geral de Veteranos da Guerra do Ultramar. Resultados: na globalidade, os estudos psicométricos revelaram que a estrutura dos instrumentos de medida analisados apresentam um adequado ajustamento aos dados. A estrutura do PDEQ mostrou se ainda invariante nos grupos com e sem PTSD (com diferentes graus de dissociação peritraumática). Os instrumentos de medida também revelaram ser internamente consistentes e temporalmente estáveis, e exibiram validades convergente e discriminante adequadas. Quanto ao modelo mediacional dos sintomas da PTSD, este exibiu um adequado ajustamento aos dados, explicou 66% da variância da sintomatologia da PTSD, e permitiu constatar que a processos de regulação emocional (inflexibilidade psicológica e uma atitude autocritica) e/ou os sintomas depressivos comórbidos mediaram o efeito das memórias de ameaça na infância, da perturbação emocional induzida pela exposição ao combate, das ameaças de não combate, e das experiências de despersonalização/desrealização peritraumáticas nos sintomas da PTSD. As ameaças de combate mostraram apenas um efeito direto na referida sintomatologia da PTSD. Conclusões: os instrumentos de autorresposta revelaram se medidas válidas e fiáveis, dados estes que encorajam a sua utilização na prática clínica e na investigação científica direcionadas a Veteranos da Guerra Ultramarina Portuguesa. O novo modelo mediacional dos sintomas da PTSD de guerra é igualmente um contributo relevante para a clínica e para a investigação científica, ao permitir aumentar o conhecimento sobre os fatores preditores da referida sintomatologia e sobre as complexas relações estre tais fatores, principalmente porque o modelo testado incluiu preditores inovadores, nomeadamente, a perturbação emocional decorrente da exposição ao combate e a distinção entre as ameaças de combate e de não combate presentes nos teatros de operações militares.

Introduction: a considerable consensus exists in the literature regarding the fact that military populations exposed to war/combat have a high probability of being exposed to extreme threat situations and developing Post Traumatic Stress Disorder (PTSD), and other associated clinical conditions. However, in Portugal, there is a limited number of self report instruments and empirical studies aimed at promoting scientific knowledge concerning war Veterans’ mental health. This is particularly relevant considering the vast population of Portuguese Overseas War Veterans (Colonial War and Invasion and occupation of the Portuguese State of India by Indian Union). The current research was conducted in this population and aimed to minimize the abovementioned limitations. It encompassed the development of several psychometric studies allowing the availability of self report instruments targeting this particular population. These measures assess PTSD (Portuguese version of the PTSD Checklist Military Version; PC1 M) and potential predictors of this disorder, namely, combat exposure and the emotional distress resulting from this exposure (Combat Experiences Questionnaire; QEC), psychological inflexibility associated with trauma (Portuguese version of the Acceptance and Action Questionnaire Trauma Specific; AAQ TS), and peritraumatic dissociation (Portuguese version of the Peritraumatic Dissociative Experiences Questionnaire; PDEQ). An additional study also explored a novel mediation model explaining war related PTSD symptomatology. It was hypothesized that psychological inflexibility, a self critical attitude and comorbid symptoms of depression mediate the impact of exposure to military combat (frequency and distress), threat experiences (memories of threat in childhood, and combat and non combat threats), and peritraumatic depersonalization/derealization experiences in PTSD symptoms. Method: a cross sectional design was used for all the studies. Veterans who served in the Portuguese Overseas War participated in this investigation. The psychometric studies addressed factor structure, internal consistency, test retest reliability and convergent validity were conducted in veterans’ general population. The analyses of discriminant validity, PDEQ invariance of the model and diagnostic utility of PCL M were conducted in samples of war Veterans with and without a war related PTSD diagnosis. The mediation model was tested in a sample of the general population of Portuguese Overseas War Veterans. Results: overall, the psychometric studies revealed that the factor structure found for the self report instruments showed an adequate fit to the data. The PDEQ structure showed to be invariant in the groups with and without PTSD (showing different degrees of peritraumatic dissociation). The self report instruments also proved to be internally consistent and temporally stable, and showed adequate convergent and discriminant validities. Concerning the PTSD symptoms mediation model, an adequate fit to the data was found and explaining 66% of the variance of PTSD symptomatology. Furthermore, it allowed to verify that emotion regulation processes (psychological inflexibility and self critical attitude) and/or comorbid depressive symptoms mediated the effect of memories of threat in childhood, emotional distress induced by combat exposure, non combat threats, and peritraumatic depersonalization/derealization experiences in PTSD symptoms. Combat threats showed only a direct effect on PTSD symptomatology. Conclusions: the self report instruments showed to be valid and reliable measures. These data encourage their use in clinical and research settings targeting Portuguese Overseas War Veterans. The innovative mediation model of PTSD war symptoms is also a relevant contribution to clinical practice and scientific research, by adding knowledge about the predictive factors of this symptomatology and the complex relationships between them. In fact, this model included innovative predictors, namely, the emotional distress arising from combat exposure and the distinction between combat and non combat threats that are present in military theaters of operations.