Please use this identifier to cite or link to this item: https://hdl.handle.net/10316/23631
Title: Uma cura controversa: a promessa biomédica para a lepra em difracção entre Portugal e Brasil
Authors: Pereira, Alice Cruz 
Orientador: Menezes, Maria Paula
Nunes, João Carlos Freitas Arriscado
Issue Date: 8-Jul-2013
Citation: PEREIRA, Alice Cruz - Uma cura controversa : a promessa biomédica para a lepra em difracção entre Portugal e Brasil. Coimbra : [s.n.], 2013. Tese de doutoramento
Abstract: Rompendo com a ruptura epistemológica ocidentalista dos elos entre as celebradas aporias modernas (como natureza/cultura, privado/público, epistemologia/política) que constringiu o corpo-apropriado que enjeita, por sua vez, o corpo com lepra para o campo oposicional do abjecto, este trabalho intenta re-ligar o nó górdio entre natureza e cultura, no horizonte de uma dupla ruptura epistemológica entre a ciência moderna e o senso comum. Em específico, assume como fundamental anelo penetrar criticamente no giro biomédico que inverteu a dialéctica entre cidadania e bem público das pessoas portadoras de lepra na década de 1980, sintetizando uma tecnologia biomédica, a cura e a emancipação social numa caixa-preta que viaja pelo mundo como um localismo globalizado. Para esse fim, desenha-se, metodologicamente, sobre uma cartografia simbólica e fenomenólogica da biomedicina que recorre a uma etnografia multi-situada nas diversas escalas transnacional, nacional e local de produção das respostas institucionais à lepra e da sua substanciação experiencial. Tal etnografia é dotada de um pendor pós-colonial pela catacrese facultada por uma justaposição de contextos divergentes que representam, exemplarmente, a expressão polar da lepra na contemporaneidade: Portugal e Brasil. Assim navegando com um caleidoscópio que re-liga escalas e entrevê os diferentes enraizamentos sociais, bem como o escopo de reflexão e de retracção dos diversos saberes invocados na forja do corpo com lepra como um nodo medicalizado (ciência, Estado, sociedade civil organizada em torno de uma intencionalidade política, clínica e intencionalidade pragmática das mulheres e homens que conhecem a lepra nos seus corpos e vidas), perscruta-se esse giro biomédico com uma hermenêutica que, por um lado, ilumina a porosidade entre ciência e senso comum e, por outro, promove uma dupla ruptura epistemológica entre ambos, assumindo como premissa epistemológica a intencionalidade política e a intencionalidade pragmática das pessoas portadoras de lepra como uma testemunha subalterna à ciência moderna apta a produzir a difracção do nexo hegemónico entre saber e poder no sentido da sua reconstrução no nexo contra-hegemónico entre justiça cognitiva e justiça social. Descartando afirmações tautológicas, as articulações providas pela rotação que, no interior de um caleidoscópio de saberes e prácticas, atravessa uma caixa-preta, passa pela incerteza e arriba na controvérsia, permitem constatar que a ruptura epistemológica, obrada no interior da biomedicina, que converteu os seus anteriores modelos explicativos em senso comum, teceu a continuidade entre os três períodos constitutivos da medicalização da lepra no sistema mundo moderno/colonial, perpetuando um Mesmo Paradigma Biopolítico. Este reitera a exterioridade da lepra como uma doença residual, retendo-a no outro lado da linha abissal da mercantilização da saúde e fabricando activamente uma doença negligenciada, através de escolhas sucessivas, tomadas no interior de uma racionalidade economicista plasmada no binómio custo-eficiência, à qual se agrega um modelo de governamentalidade do corpo redigido segundo uma epistemologia atomista que dirige a intervenção biomédica a jusante dos determinantes sociais da doença, com enfoque no corpo individual enfermo enquanto locus e vector da última no espaço público. No que concerne à incontornável translocalização dos processos decisórios no seio de um paradigma de governação neoliberal, verifica-se que a fragmentação do giro biomédico em paisagens morais divergentes expõe tanto os limites, quanto a centralidade do Estado moderno monocultural no campo da saúde pública, assinalando, simultaneamente, os efeitos iatrogénicos de uma política ontológica farmacêuticalizada e os corolários da inclusão de um senso comum emancipatório no desfraldar de arenas para a entrada de leigos e peritos-leigos em espaços agonísticos legítimos geradores dos processos institucionais que deliberam a governamentalidade das enfermidades, apelando, com isso, ao experimentalismo do Estado. Mas é a crise de credibilidade descerrada pela controvérsia protagonizada por uma testemunha subalterna à ciência moderna que expõe a clivagem entre a versão oficial da cura e a fenomenologia da cura (desvelando o nó górdio entre natureza e cultura invisibilizado pelo trabalho de purificação da ciência moderna) e que remata a difracção da raia entre o normal e o patológico (naturalizado por uma ideologia da cura enlaçada numa racionalidade capacitista) com a necessidade inexorável de uma dupla ruptura epistemológica que penetre nas próprias qualidades primárias da corporalidade humana. Ao obrar uma difracção do corpo com lepra como nodo medicalizado, a testemunha subalterna à ciência moderna acerca-se das epistemologias do Sul, alcançando tanto uma denúncia crítica do sistema mundial de saúde, quanto uma afirmação propositiva sobre a saúde pública que ilumina a determinação da escala local e de processos extra-institucionais na promoção da saúde e aventa o princípio da comunidade como alavanca para a redacção de um conjunto de prolegómenos para uma ecologia de saberes na saúde.
Breaking with the occidentalist epistemological rupture of the links between the celebrated modern dichotomies (nature/culture, private/public, epistemology/politics) that restricted the proper-body which expels the body with leprosy for the oppositional field of the abject, this work aims to reconnect the Gordian knot between nature and culture in the horizon of a double epistemological rupture between modern science and common sense. Its main goal is to critically comprehend the biomedical twist that inverted the dialectics between citizenship and common good of people with leprosy in the 1980s decade by synthetizing a biomedical technology, the cure of leprosy and social emancipation in a black box that travels throughout the world as a globalized localism. With that end in view, this work is methodologically drawn upon a symbolic and phenomenological cartography of biomedicine that resorts to a multi-sited ethnography in the diverse transnational, national and local scales of production of the institutional responses to leprosy and its experiential substantiation. Such ethnography is endowed with a post-colonial feature granted by the catarese originated in the juxtaposition of divergent contexts that represent in, an exemplary way, the polar expression of leprosy in contemporaneity: Portugal and Brazil. Thus navigating with a kaleidoscope that reconnects scales and foresees the different social rooting, as well as the scope of reflection and retraction of the several knowledges invoked in the making of the body with leprosy as a medicalized node (science, State, organized civil society around a political intentionality, clinic and pragmatic intentionality of the women and men who know leprosy in their bodies and lives), the biomedical knowledge is scrutinized with an hermeneutics that, by the one hand, illuminates the porosity between science and common sense and, by the other hand, promotes a double epistemological rupture between both, taking as its epistemological premise the political and pragmatic intentionality of people with leprosy as a subaltern witness to modern science that is able to produce the diffraction of the hegemonic nexus between knowledge and power into the counter-hegemonic nexus between cognitive justice and social justice. Discarding any tautological affirmations, the articulations thus provided by a rotation within a kaleidoscope of knowledges and practices that traverses a black box, goes through uncertainty and lands on controversy, allow to verify that the epistemological rupture that converted former biomedical explanatory models into common sense weaved the continuity of the three constitutive periods of the medicalization of leprosy in the colonial/modern world system, thus perpetuating the Same Biopolitical Paradigm. The former reiterates the exteriority of leprosy as a residual disease, by retaining it in the other side of the abyssal line of the merchantilization of health and actively fabricating a neglected disease, through successive choices taken within an economicist rationality shaped by cost-efficiency and the a governamentality of the body framed by an atomist epistemology that points the biomedical intervention at the outcomes of social determinants of disease, focusing on the sick individual body as locus and vector of the disease on the public space. Concerning the displacement of decisory processes within the neoliberal governance paradigm, the fragmentation of the biomedical twist in divergent moral landscapes proves the limits, as well as the centrality of the modern and monocultural State in the field of public health, simultaneously highlighting the iatrogenic effects of a pharmaceuticalized political ontology and the corollaries of the inclusion of a emancipatory common sense in the arenas in which the institutional processes that determine the governamentality of infirmities are generated, hence appealing to an experimentalism of the State. But it’s the credibility crisis unclenched by the controversy protagonized by the subaltern witness to modern science that exposes a cleavage between the official version of cure and the phenomenology of cure (unveiling the Gordian knot between nature and culture invisibilized by the purification work of modern science) and completes the diffraction of the frontier between the normal and the pathological (naturalized by an ideology of cure entangled in an ableist rationality) with the inexorable necessity of a double epistemological rupture that goes into the primary qualities of the human corporality. By performing a difraction of the body with leprosy as a medicalized node, the subaltern witness to modern science approaches the epistemologies of the South, reaching a critical denouncement of the world system of health, but also posing a propositional affirmation about public health that illuminates the determinacy of the local scale and extra-institutional processes in the promotion of health and propounds the principle of community as leverage for a set of prolegomena on an ecology of knowledges in health.
Description: Tese de Doutoramento em em Pós-Colonialismos e Cidadania Global, apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
URI: https://hdl.handle.net/10316/23631
Rights: openAccess
Appears in Collections:I&D CES - Teses de Doutoramento
UC - Teses de Doutoramento
FEUC- Teses de Doutoramento

Files in This Item:
File Description SizeFormat
Tese Doutoramento_ACruz_2013_final.pdf2.81 MBAdobe PDFView/Open
Show full item record

Page view(s) 50

616
checked on Apr 23, 2024

Download(s)

50
checked on Apr 23, 2024

Google ScholarTM

Check


Items in DSpace are protected by copyright, with all rights reserved, unless otherwise indicated.