Pessoa coletiva e processo penal. Da Titularidade de direitos fundamentais à pertinência de um processo penal da pessoa coletiva

Abstract

Esta investigação propõe-se analisar duas questões concatenadas, primeiro, a possibilidade de as pessoas coletivas encontrarem proteção nas normas de direitos constitucionais, enquanto titulares diretas, quando o direito penal e o processo penal lhes é aplicável na qualidade de arguidas, e, segundo, a ponderação da pertinência de um processo penal da pessoa coletiva ou da mera necessidade de proceder à alteração de algumas normas no processo penal.Coloca-se em evidência a necessidade de repensar os direitos fundamentais, tradicionalmente enquadrados como âncora da liberdade, da autodeterminação e da dignidade humana, como proteção da pessoa singular contra estados arbitrários e como segurança coletiva, à luz de novas realidades jurídicas, económico-sociais e organizacionais, sem desvirtuar a sua essência. Em concreto, na sequência da alteração do artigo 11º do Código Penal português, em 2007, que estendeu a responsabilidade criminal das pessoas coletivas ao direito penal clássico, os referidos entes podem ser constituídos arguidos, o que suscita novas questões no quadro constitucional, ao nível do conceito de direitos fundamentais e da determinação dos sujeitos que podem ser titulares diretos de direitos fundamentais.Simultaneamente, esta mudança de paradigma também carreia repercussões no âmbito processual penal, de matriz estrutural essencialmente antropocêntrica, que não foram equacionadas, até muito recentemente, pelo legislador português, designadamente o modo como a pessoa coletiva, que tem uma realidade incorpórea, atua no processo penal e através de quem, que medidas de coação lhe são aplicáveis, em face da omissão da lei processual, e de que penas podem ser destinatárias. Complementarmente, este trabalho salienta a dispensabilidade da construção de um processo penal próprio para pessoas coletivas num documento individualizado face ao Código de Processo Penal, bastando a introdução de modificações naquele diploma.Neste contexto, foram também objeto de reflexão os problemas suscitados no quadro dos programas de compliance e as suas implicações na responsabilidade criminal da pessoa coletiva.

This investigation proposes to analyze two linked issues, first, the possibility of legal persons finding protection in the norms of constitutional rights, as direct holders, when criminal law and criminal procedure apply to them as defendants, and, second, the weighting of the relevance of a legal entities’ criminal procedure or the mere need to change some rules in the criminal procedure.It highlights the need to rethink fundamental rights, traditionally framed as an anchor of freedom, self-determination and human dignity, as protection of the natural person against arbitrary states and as collective security, in light of new legal, economic, social and organizational realities, without detracting from its essence. In particular, following the amendment of article 11 of the Portuguese Penal Code, in 2007, which extended the criminal responsibility of legal entities to classic criminal law, the aforementioned entities can be constituted as defendants, which raises new questions in the constitutional framework, at the level of the concept of fundamental rights and the determination of the subjects who can be direct holders of fundamental rights.Simultaneously, this paradigm shift also has repercussions in the criminal procedure scope, with an essentially anthropocentric structural matrix, which were not considered, until very recently, by the Portuguese legislator, namely the way the legal entity, which has an incorporeal reality, acts in the criminal process and through whom, which coercive measures are applicable to it, given the omission of the procedural law, and which penalties may be recipients. Complementarily, this work emphasizes the dispensability of the construction of a specific penal process for legal entities in an individualized document in the face of the Code of Criminal Procedure, being enough the introduction of modifications in that diploma.In this context, the problems raised in the context of compliance programs and their implications for criminal liability of legal entities were also object of reflection.