O papel da mentalidade competitiva versus compassiva na saúde mental das adolescentes: Um programa para a promoção de competências de autoaceitação e autocompaixão

Abstract

Introdução | A literatura tem sido consistente a reportar um aumento significativo em diferentes indicadores psicopatológicos na adolescência, sublinhando a necessidade e urgência de um investimento acrescido na área do bem-estar e saúde mental nesta fase desafiante do desenvolvimento. De facto, a adolescência, pelas transformações desenvolvimentais que a caracterizam, constitui um período de maior vulnerabilidade e propensão para dificuldades emocionais, psicológicas e sociais. Para além disso, esta fase tem sido identificada como um período profícuo para a emergência de uma série de fatores de risco para o desenvolvimento de dificuldades relacionadas com a imagem corporal e o comportamento alimentar, sendo as adolescentes do sexo feminino apontadas como um grupo particular de risco para o desenvolvimento destas dificuldades. Neste sentido, a presente dissertação teve como objetivos estudar o papel dos processos e mecanismos de (des)regulação emocional em indicadores de bem-estar, qualidade de vida e de dificuldades associadas à imagem corporal e ao comportamento alimentar. Adicionalmente, estes estudos pretenderam informar o desenvolvimento do Programa #KindGirlsInACTion, e testar a sua eficácia preliminar em indicadores de bem-estar e qualidade de vida em adolescentes do sexo feminino. Metodologia | A presente investigação integra estudos de caráter transversal em amostras de mulheres adultas e em idade emergente e em adolescentes do sexo feminino e masculino; bem como longitudinal e quasi-experimental, em amostras de adolescentes do sexo feminino. Nestes estudos, os participantes preencheram medidas de autorresposta para avaliar os construtos em estudo. O ensaio clínico com design quasi-experimental testou a eficácia preliminar do programa de intervenção #KindGirlsInACTion. Resultados | Os resultados dos estudos transversais apontaram para o potencial efeito mediador de processos e mecanismos maladaptativos/de risco (e.g., vergonha, comparações sociais desfavoráveis, autocriticismo, medos afiliativos, e inflexibilidade psicológica) e adaptativos/protetores (e.g., autotranquilização, sentimentos de segurança em contexto social, autocompaixão e flexibilidade psicológica) na relação estabelecida entre memórias afiliativas precoces e o bem-estar, qualidade de vida e dificuldades associadas à imagem corporal e comportamento alimentar. Por sua vez, o estudo longitudinal confirmou o papel mediador do medo de receber compaixão dos outos na relação entre memórias afiliativas precoces e a vergonha relacionada com a imagem corporal. Por último, os resultados do teste de eficácia preliminar do programa #KindGirlsInACTion revelaram que a intervenção teve impacto significativo na promoção de sentimentos de segurança e proximidade em contextos sociais, da autocompaixão e na perceção de bem-estar e qualidade de vida geral das adolescentes, contrariamente ao que se verificou com o grupo de controlo. Conclusões | Os dados da presente investigação fornecem suporte empírico e expandem o conhecimento existente acerca da complexidade psicológica inerente à perceção de bem-estar, qualidade de vida e às dificuldades associadas à imagem corporal e ao comportamento alimentar em adolescentes, com especial atenção para as raparigas. Adicionalmente, o teste preliminar de eficácia do programa de intervenção para adolescentes do sexo feminino, baseado na promoção de relações afiliativas, autocompaixão, flexibilidade psicológica e na prática de mindfulness, mostrou-se capaz de promover uma mentalidade mais compassiva (em alternativa a uma mentalidade de ranking social), potencialmente geradora de uma maior perceção de bem-estar e qualidade de vida. Ainda, acreditamos que o presente trabalho possa abrir novos caminhos para o desenvolvimento de investigações futuras, com metodologias mais robustas, com vista à análise mais aprofundada destas temáticas e à implementação de medidas preventivas e de intervenção que promovam processos e mecanismos de regulação emocional eficazes, com impacto positivo e benéfico no bem-estar geral dos adolescentes.

Background | Literature has consistently reported a significant increase in different psychopathological indicators in adolescence, underlining the need and urgency to further investment in mental health and well-being in this challenging development stage. Indeed, adolescence, due to its intrinsic developmental changes, constitutes a period of higher vulnerability and propensity to emotional, psychological, and social difficulties. Besides this, this stage has been identified as an especially prone period for the emergence of risk factors for the development of body image and eating-related difficulties, with adolescent girls being highlighted as a particularly at-risk group for the development of such difficulties. In this sense, the present dissertation aimed to explore the role of emotional (dys)regulation processes and mechanisms in indicators of well-being, quality of life, and body-image and eating-related difficulties. Additionally, these studies intended to inform regarding the development of the #KindGirlsInACTion programme, and test its preliminary efficacy in indicators of well-being and quality of life in adolescent girls. Methods | The present research integrates cross-sectional studies conducted on samples of adult and emerging-adult women, and female and male adolescents; as well as longitudinal and quasi-experimental studies, carried out in samples of female adolescents. In these studies, participants completed self-response measures to assess the constructs under study. The clinical trial with a quasi-experimental design tested the preliminary efficacy of the #KindGirlsInACTion intervention programme. Results | Cross-sectional studies’ results pointed to the potential mediating effect of maladaptive/risk (e.g., shame, unfavourable social comparisons, self-criticism, fears of compassion, and psychological inflexibility) and adaptive/protective (e.g., self-soothing, feelings of safeness in social contexts, self-compassion and psychological flexibility) processes and mechanisms in the relationship established between early affiliative memories and well-being, quality of life, and body and eating-related difficulties. In turn, the longitudinal study confirmed the mediating role of fear of receiving compassion from others in the relationship between early affiliative memories and body image shame. Finally, results of the preliminary efficacy study of the #KindGirlsInACTion programme revealed that the intervention had a significant impact on promoting feelings of social warmth and safeness in social contexts, self-compassion, and perception of well-being and general quality of life among adolescent girls, contrary to what occurred with the control group. Conclusions | The data from the present research provided empirical support and expanded existing literature regarding the psychological complexity inherent to the perception of well-being, quality of life, and body and eating-related difficulties in adolescents, giving special attention to girls. Additionally, the preliminary efficacy test of the intervention programme for female adolescents, based on the promotion of affiliative relationships, compassion, psychological flexibility, and the practice of mindfulness, proved capable of promoting a more compassionate mindset (as an alternative to the social ranking mentality), potentially generating a greater perception of well-being and quality of life. Furthermore, we believe that this body of work can open new avenues for the development of future research, with more robust methodologies, aiming to conduct a more in-depth analysis of these themes and the implementation of prevention and intervention methods that promote more effective emotional regulation processes and mechanisms, with a positive and beneficial impact on adolescents’ general well-being.