Planificação e organização de recursos e práticas educativas para um desenvolvimento territorial sustentado. Novos modelos de incidência municipal

Abstract

A evolução civilizacional atribuiu à educação uma relevância crescente, assumindo hoje um papel determinante em todas as dimensões do desenvolvimento. Embora esteja completamente sedimentado o entendimento de que a educação se deve estender ao longo da vida e ocorrer em qualquer espaço social, os equipamentos escolares continuam a ser, por excelência, o espaço e tempo da educação. Em Portugal, desde o momento em que o estado central assumiu a responsabilidade da educação, a partir da segunda metade do século XVIII, que o planeamento da rede escolar se manteve em segundo plano, ou associado a planos extraordinários de intervenção. Foi a descentralização, a reboque, primeiro, da transformação demográfica e socioeconómica motivada pela revolução de abril e consequente aumento da procura social da educação e, depois, do movimento global de crise do modelo da administração central, que marcou uma mudança de paradigma que colocou o planeamento da rede escolar em destaque na agenda educativa política portuguesa e reconheceu a importância e a necessidade da participação dos municípios.Situada na confluência interdisciplinar de um domínio epistemológico que tendemos a designar por territorialização da educação ou geografia da educação, esta investigação procura responder a esta nova lógica educativa, onde os territórios terão de assumir a sua função educadora e integrá-la num plano estratégico, para atingir um desenvolvimento territorial integrado e melhorar a qualidade da educação e o bem-estar da população.Num momento em que a transferência de competências do poder central para o local sofre um impulso decisivo e as mudanças se começam a efetivar, esta investigação procura: i) analisar a heterogeneidade dos mecanismos de apropriação dos normativos legais referentes ao planeamento da rede escolar, pelos atores locais, e o impacto das diferentes lógicas de ação municipais no território, estabelecendo uma relação com as principais condições geográficas; ii) avaliar, criticamente, o processo de descentralização no domínio da planificação e organização de recursos educativos; e iii) perspetivar princípios orientadores para a construção de políticas públicas conducentes ao planeamento de uma rede escolar capaz de acolher as possíveis transformações dos contextos e acompanhar a evolução da população escolar.Partindo da revisão de literatura científica considerada relevante para a compreensão do planeamento da rede escolar em Portugal e da análise dos normativos legais nacionais essenciais para o conhecimento da sua evolução cronológica, esta investigação, de cariz qualitativo, foi desenvolvida segundo o método de estudo de casos múltiplos, visando a abrangência da diversidade de realidades físicas, demográficas, socioeconómicas, culturais, educacionais, políticas e económicas existente no território nacional e a realização de uma análise comparativa que permitisse identificar linhas de convergência e divergência entre diferentes municípios e enquadrar as decisões tomadas nos diversos contextos territoriais. As técnicas privilegiadas para a recolha de dados foram a análise documental, a observação direta e a entrevista aberta.Os resultados da investigação tornaram possível reunir evidências que nos permitiram enunciar as seguintes convicções: i) existe uma grande dificuldade em conciliar os interesses gerais do estado central com os interesses específicos e localizados das populações, em consequência da diversidade de contextos, a qual é responsável por uma significativa heterogeneidade na aplicação local dos critérios de planeamento da rede escolar, estabelecidos centralmente nas duas fases de afirmação da carta educativa (2003 e 2019); ii) ocorreu uma transformação das lógicas de ação municipais entre os dois momentos de ordenamento do parque escolar público português, tendo, entre outras mudanças, deixado de priorizar o cumprimento dos requisitos centrais e passado a atender predominantemente aos interesses locais; e iii) identifica-se um descontentamento, por parte dos municípios, em relação à forma como o processo político de transferência de competências, da administração central para a local, no domínio da planificação e organização de recursos educativos, está a ser conduzido, pela sua incapacidade em responder às especificidades territoriais e acompanhar as necessidades, ambições e capacidades do poder local.O conhecimento do impacto das orientações centrais nas políticas educativas municipais e nas práticas decorrentes é essencial para o estabelecimento de novas abordagens de base local. É por essa razão que a estabilização de um quadro de referência para a planificação e organização de recursos educativos se assume como um instrumento fundamental para a conceção e implementação de políticas públicas promotoras de uma rede escolar de qualidade e de um desenvolvimento territorial sustentado.

Civilizational evolution has attributed to education a growing relevance, assuming nowadays a decisive role in all dimensions of development. Although it is assumed that education should extend throughout life and take place in any social space, the school facilities continue to be, par excellence, the space and time for education. In Portugal, since the central government assumed responsibility for providing education, from the second half of the eighteenth century onwards, the school network planning remained a low priority, or associated with one-off intervention plans. It was only with decentralisation, spurred by the demographic and socioeconomic transformation from the april revolution in Portugal and the resulting increase in the social demand for education, that school network planning became a priority in portuguese educational policy and the importance and need for municipal intervention was recognized. This shift in priorities was later reinforced by the global crisis movement of the central administration model.Positioned at the interdisciplinary confluence of an epistemological domain that we tend to designate as the territorialisation of education or geography of education, this research aims to respond to this new educational framework. In this framework, territories will have to assume their educational role and integrate it into a strategic plan towards integrated territorial development, thus improving the quality of education, and contributing to overall well-being of the population.In a time when the transfer of competencies from the central government to the local authorities undergoes a decisive impulse and changes begin to take effect, this research intends to: i) analyse the heterogeneity of the mechanisms for applying the legal norms referring to the school network planning, by local stakeholders, and the impact of the different frameworks of municipal action in the territory, establishing a relation with the respective geographic context; ii) critically evaluate the process of decentralisation in the domain of planning and organizing educational resources; and iii) inform guidelines for the formulation of public policies towards the planning of a school network capable of integrating potential contextual changes and follow the school population evolution.This research was developed using a qualitative methodological framework, based on the review of scientific literature considered relevant for understanding the school network planning in Portugal and on the content analysis of national legal regulations, essential for understanding its chronological evolution. The multiple case study method was applied aiming to cover the diversity of physical, demographic, socioeconomic, cultural, educational, political, and economic realities existing in the national territory. The comparative analysis allowed to identify lines of convergence and divergence between different municipalities and to frame the decisions taken in different territorial contexts. Data collection was made through documental analysis, direct observation, and open interviews.The results of this research allowed us to present the following key findings: i) there is a marked difficulty in reconciling the general interests of the central government with the specific and place-based interests of the populations, as a consequence of the diversity of contexts, which is responsible for a significant heterogeneity in the local application of the school network planning criteria, that was centrally established in the two affirmation phases of the education charter (2003 and 2019); ii) occurred a transformation of the municipal framework for action between the two moments of the portuguese public schools network planning, which, among other changes, stopped prioritizing the fulfilment of central requirements and started to predominantly respond to local interests; and iii) is recognized a dissatisfaction of the municipalities with the way how the political process of transferring competencies, from central to local administration, in the field of planning and organizing educational resources, is being managed, since it has been unable to address territorial specificities and respond to the needs, ambitions and capabilities of local government.Being aware of the impact of central government guidelines on municipal educational policies, and on the resulting practices, it is essential to establish new place-based approaches. For this reason, the establishment of a reference framework for the planning and organization of educational resources is assumed as a fundamental tool to support the design and implementation of public policies that promote a quality school network and sustained territorial development.