GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO: O CAMINHO PERCORRIDO ATÉ À LEI N.º 90/2021, DE 16 DE DEZEMBRO"

Abstract

Em 2006, com o aparecimento da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, começa, no nosso ordenamento jurídico, uma nova era das técnicas de procriação medicamente assistida, passando estas a ser reguladas. Se o entendimento e a permissão de algumas destas técnicas foi pacífico, o mesmo não se pode dizer em relação a outras, englobando nesta última categoria a gestação de substituição. Esta lei veio a estabelecer a proibição de acesso à gestação de substituição, bem como a sua criminalização, no caso de ser levada a cabo a título oneroso. Assim, e até 2016, o recurso a esta técnica foi totalmente vedado, fazendo com que casais inférteis e economicamente favorecidos procurassem no estrangeiro a solução da sua infertilidade, o que foi facilitado pelo acesso à informação, pela globalização e pela liberdade de circulação de pessoas. Em 2016, com a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, a gestação de substituição, passa a ser permitida, em Portugal, desde que a título excecional e gratuito. Portanto, a partir desta data, uma mulher, motivada por um intuito altruísta, passa a poder gerar uma criança e entregá-la, após o nascimento, realizando o desejo parental de outrem. Contudo, esta solução foi massivamente criticada, apelando-se à não instrumentalização da mulher e à não comercialização do ser humano. Em 2018, o TC veio a pronunciar-se sobre o assunto declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, desta lei, principalmente por embater com a dignidade da pessoa humana, devido à falta de possibilidade de revogação do consentimento da gestante ao longo de todo o processo. Ao abrigo deste regime, a gestante, era obrigada a entregar a criança aos beneficiários, o que a impossibilitava de assumir a maternidade, se assim o desejasse, após passar pelo emotivo período gestacional, transformando-se numa mera incubadora à disposição dos beneficiários e potenciando-se a sua instrumentalização. Com a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, retomou-se o antigo regime, de proibição e criminalização da gestação de substituição, o que motivou a busca por uma opção legislativa suscetível de combater as vulnerabilidades da anterior Lei. Essa solução chegou, em 2021, com a Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, que introduziu alterações significativas à LPMA, sobretudo, em relação ao “afastamento” da nulidade neste tipo de contratos, à possibilidade de revogação do consentimento da gestante, após o parto, e à consagração expressa dos seus direitos, o que preza a dignidade desta mulher. A gestação de substituição é um tema bastante controverso, precisamente pelas implicações jurídicas, sociais, éticas e morais que a ela se ligam. Se para alguns é uma forma de privilegiar a autonomia privada dos contraentes e o direito de constituir família, para outros, não passa de uma pura instrumentalização quer da gestante, quer da criança, de uma forma de comercialização do ser humano e de exploração da pobreza. No estudo levado a cabo nesta dissertação, procuramos fazer uma análise detalhada de todo o caminho legislativo percorrido até à nova Lei n.º 90/2021, de 16 de dezembro, expondo problemas e determinando soluções, quer estes sejam passados ou atuais. No capítulo final, apresentamos as principais controvérsias em torno da gestação de substituição, procurando perceber se estas podem ser colocadas relativamente ao regime atual.

In 2006, with the appearance of the Law n. º 32/2006, of July 26th, a new era of medically assisted procreation techniques began in our legal system, starting to be regulated. If the understanding and permission of some of these techniques was peaceful, the same cannot be said concerning others, including in this last category, the Gestational Surrogacy. This law established the prohibition of access to gestational surrogacy and its criminalization in the case it is carried out for a fee. Thus, and until 2016, the use of this technique was completely prohibited, causing infertile and economically favored couples to seek a solution to their infertility abroad, which was facilitated by access to information, globalization and the freedom of movement of people. In 2016, with the Law No. 25/2016, of August 22, gestational surrogacy was finally allowed in Portugal, provided that it is exceptional and free of charge. Therefore, from that date onwards, a woman, motivated by an altruistic intention, is able to bear a child and deliver it after birth, fulfilling the parental desire of another. However, this solution was massively criticized, calling for the non-instrumentalization of women and the non-commercialization of human beings. In 2018, the Constitutional Court came to pronounce on the subject declaring the unconstitutionality, with general mandatory force, of this law mainly because it clashes with the dignity of the human person, due to the lack of possibility of revoking the consent of the pregnant woman throughout the entire period process. Under this regime, the pregnant woman was obliged to hand over the child to the beneficiaries, which made it impossible for her to assume the motherhood, if she so wished, after going through the emotional gestational period, becoming a mere incubator available to the beneficiaries and enhancing its instrumentation. With the declaration of unconstitutionality, with general mandatory force, the old regime of prohibition and criminalization of gestational surrogacy was resumed, which motivated the search for a legislative option, capable of fighting the vulnerabilities of the previous Law. This solution arrived, in 2021, with the Law n. º 90/2021, of December 16, which introduced significant changes to the Medically Assisted Procreation Law, especially in relation to the “removal” of nullity in this type of contracts and the possibility of revoking the pregnant woman's consent after childbirth and the express consecration of their rights, which values their dignity. Gestational surrogacy is a very controversial topic, precisely because of the legal, social, ethical and moral implications that are linked to it. If for some it is a way of favoring the private autonomy of the contracting parties and the right to find a family, for others it is nothing more than a pure instrumentalization of either the pregnant woman or the child, a form of commercialization of the human being and exploitation of poverty. In the study carried out in this dissertation, we tried to make a detailed analysis of the entire legislative path taken until the new Law n. º 90/2021, of December 16, exposing some of his problems and determining some solutions, whether they are past or current. In the final chapter, we expose the main controversies surrounding gestational surrogacy, trying to understand whether these can be placed in relation to the current regime.