Os desenhos botânicos da Viagem Filosófica ao Brasil: Uma rede política, científica e criativa

Abstract

Em finais do século XVIII, Portugal empreendeu sua maior expedição científica, a Viagem Filosófica (1783-1793). Com a expansão da ciência alterando o cenário mundial e alcançando o sistema colonial, as jornadas em busca de novos conhecimentos apresentaram-se como iniciativas vitais ao progresso das nações europeias. As reformas no ensino superior e o crescimento de viagens exploratórias foram determinantes nas mudanças estabelecidas em território português e na expansão junto às colônias. Nesse sentido, a Viagem Filosófica ao Brasil fez parte das estratégias portuguesas para a retomada do desenvolvimento científico, tanto quanto para a manutenção territorial e fortalecimento econômico. Esta tese pretende, agora, após a investigação sobre os desenhos da Viagem Filosófica, iniciada em dissertação de mestrado, contribuir para uma compreensão mais aprofundada acerca das ilustrações botânicas da Viagem, mediante o reconhecimento das qualidades técnicas, estéticas e científicas dos desenhistas. Para isso são aqui analisadas as imagens anteriores à expedição portuguesa – presentes na obra elaborada na Casa do Risco Specimen Florae Americae Meridionalis (1780) e correlacionada à publicação espanhola Flora peruviana et chilensis (1794-1802). Em seguida, a pesquisa se voltará para as ilustrações botânicas produzidas no decorrer da Viagem Filosófica (atualmente pertencentes à Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro) sendo possível, a partir dessas análises, legitimar a utilização de determinados desenhos da Viagem em publicações da Flora brasiliensis (1840-1906). Em virtude do interesse científico e econômico vislumbrado pela natureza exuberante do Novo Mundo, as navegações que transportavam os materiais coletados em expedições foram alvos frequentes de saques e, quando o material chegava ao país de destino, nem sempre se mantinha preservado. Ocorriam frequentemente dispersões, transações comerciais, contrabandos científicos e manipulações políticas. Em uma dessas circunstâncias, com a transferência da coleção de desenhos botânicos da Viagem Filosófica de Portugal para o Brasil, por intermédio do então ministro do Brasil em Portugal, António de Menezes Vasconcellos de Drummond, em 1843, o francês Auguste François Marie Glaziou adquiriu a coleção, utilizando-a na prática de intercâmbio de coleções científicas, que mantinha nesta ocasião com Carl Friendrich Philipp von Martius. Suas ações e correspondências não foram sigilosas e provocaram críticas sobre os critérios que utilizava em sua prática profissional e pela forma como enviava para o exterior as riquezas naturais do Brasil. Será feita uma incursão sobre a dispersão desses desenhos botânicos e como seus distintos proprietários resgataram as qualidades associadas ao conjunto de desenhos e a seus autores, José Joaquim Freire e Joaquim José Codina. São assim seguidos e analisados os percursos e as manipulações exercidos sobre os desenhos. Esta investigação incide sobre a iconografia botânica da Viagem Filosófica, interpretando os modelos de representação ainda não trabalhados e sua interação com o patamar científico e artístico do século XVIII, também esta uma associação que não se encontra devidamente esclarecida e com o devido reconhecimento. Com todas as interferências que acometeram o acervo da Viagem, o seu valor (ainda que tardiamente) extrapolou o de fonte documental do Brasil em finais do século XVIII e adentrou o cenário científico botânico por intermédio das contribuições fundamentais vertidas para a maior obra publicada sobre a flora do Brasil até os dias atuais, a Flora brasiliensis.

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In the late eighteenth century, Portugal undertook its greatest scientific expedition, called “Philosophical Journey” (1783-1793). In an epoch of intense scientific development, able to determine changes in the world scenario and to affect the colonial system, expeditions in search of new knowledge appeared as vital initiatives, paramount to the progress of the European nations. The reforms in the field of higher education and the growing number of exploratory expeditions were at the basis of the changes and development that were witnessed in Portugal and its colonies. The Philosophical Journey to Brazil was one of the strategies implemented by Portugal to incentivize scientific development, territorial preservation and economic strengthening. After the investigation she conducted on the Philosophical Journey illustrations during her Master's Degree program, the candidate is writing the present doctoral thesis to present her contribution to a deeper understanding of the Philosophical Journey botanical illustrations, through the recognition of the illustrators’ technical, aesthetic and scientific abilities. To this aim, the illustrations dating back to the period preceding the Portuguese expedition, included in the work Specimen Florae Americae Meridionalis (1780), elaborated in the Casa do Risco and related to the Spanish publication Flora peruviana et chilensis (1794-1802), will be hereby presented. Afterwards, the investigation will focus on the botanical illustrations produced during the Philosophical Journey (currently belonging to the National Library Foundation of Rio de Janeiro). These analyses will allow to demonstrate that some of the illustrations produced during the Philosophical Journey were actually reproduced in some versions of Flora brasiliensis (1840-1906). Due to the scientific and economic interest raised by the exuberant nature of the New World, the ships carrying the materials collected during the expeditions were often targets of looting and, even when they were finally delivered in the country of destination, they were not always well preserved. Material loss, commercial transactions, scientific trafficking and political manipulations were frequent. It was in one of these circumstances, after the Philosophical Journey collection of botanical illustrations was transferred from Portugal to Brazil, through the mediation of Brazilian Minister in Portugal, António de Menezes Vasconcellos de Drummond, in 1843, that Auguste François Marie Glaziou acquired the collection. The French botanist used it for the practice of scientific collections exchange that he maintained with Carl Friendrich Philipp von Martius. Glaziou’s actions and correspondence were not confidential and provoked criticism about his professional conduct and about his practice of sending valuable Brazilian natural goods and products abroad. The present thesis proposes a detailed reconstruction of the circulation and spreading of the Philosophical Journey botanical illustrations, with due attention to the recognition, by its distinct owners, of the collection value and of the ability of the illustrations authors, José Joaquim Freire and Joaquim José Codina. Thus, the collection diffusion and manipulations will be described and analyzed. The present investigation provides insight into the botanical iconography of the Philosophical Journey, by proposing an original interpretation of the representation models and their interaction with the scientific and artistic milieu of the eighteenth century, which represents another aspect that was not yet properly investigated. Even though the Philosophical Journey collection was profoundly affected by a number of occurrences, its value was recognized, although belatedly, as a documentary source on Brazil in the late eighteenth century and, afterwards, as a valuable scientific resource thanks to its substantial contributions to Flora brasiliensis, the largest published work to date on Brazilian flora.