A Parentalidade Mindful e o Comportamento Alimentar das Crianças e dos Adolescentes: o papel do peso, dos processos de regulação emocional e das práticas parentais

Abstract

Introdução: Os comportamentos alimentares disfuncionais e a obesidade pediátrica são atualmente sérios problemas de saúde pública, dada a sua crescente prevalência mundialmente e as consequências para o funcionamento psicológico e para a saúde física das crianças/adolescentes. O conhecimento incompleto acerca da multidimensionalidade dos mecanismos psicológicos que desempenham um papel crítico no comportamento alimentar conduz a que as intervenções existentes falhem em manter resultados positivos a longo prazo. Um dos mecanismos-chave que desempenha um papel crucial nos comportamentos alimentares disfuncionais é a regulação emocional. Adicionalmente, os pais desempenham um papel essencial enquanto principais responsáveis pela alimentação e pelo desenvolvimento psicológico e emocional dos filhos. Neste contexto, a parentalidade mindful poderá desempenhar um papel importante, ao promover relações positivas entre pais e filhos e fomentar estratégias psicológicas protetoras capazes de promover um comportamento alimentar saudável nas crianças/adolescentes. Esta investigação pretendeu compreender: 1) de que forma a regulação emocional dos pais e das crianças/adolescentes se relaciona com os comportamentos alimentares disfuncionais das crianças/adolescentes; e 2) de que forma a parentalidade mindful poderá relacionar-se com os comportamentos alimentares disfuncionais das crianças/adolescentes.

Metodologia: Esta investigação incluiu cinco estudos empíricos, transversais e originais. Em cada um foi utilizado um recorte diferente da mesma amostra: no Estudo Empírico I a amostra conteve 245 adolescentes com excesso de peso/obesidade com ou sem acompanhamento nutricional; no Estudo Empírico II incluiu 379 díades de mãe e criança/adolescente com excesso de peso/obesidade com ou sem acompanhamento nutricional; no Estudo Empírico III incluiu 572 díades de mães/pais e adolescentes com peso normal ou com excesso de peso/obesidade com ou sem acompanhamento nutricional; no Estudo Empírico IV conteve 1066 mães de crianças/adolescentes com peso normal ou com excesso de peso/obesidade com ou sem acompanhamento nutricional; e no Estudo Empírico V conteve 726 díades de mães/pais e crianças/adolescentes com peso normal ou com excesso de peso/obesidade com ou sem acompanhamento nutricional. Utilizaram-se instrumentos de autorresposta para avaliar variáveis individuais das crianças/adolescentes (i.e., mindfulness, autocompaixão, dificuldades de regulação emocional, sintomatologia depressiva, vergonha corporal, ingestão alimentar emocional e ingestão alimentar excessiva) e dos pais (i.e., dificuldades de regulação emocional) e variáveis parentais (i.e., parentalidade mindful, stress parental e práticas parentais na alimentação). Recolheram-se dados sociodemográficos das crianças/adolescentes e dos pais e dados clínicos das crianças/adolescentes. O peso e a altura das crianças/adolescentes foram posteriormente convertidos no Índice de Massa Corporal estandardizado (zIMC).

Resultados: Os pais das crianças/adolescentes com excesso de peso/obesidade com acompanhamento nutricional apresentaram níveis inferiores de parentalidade mindful e uma maior utilização de estratégias de controlo alimentar, comparativamente aos restantes grupos. As crianças/adolescentes com excesso de peso/obesidade sem acompanhamento nutricional apresentam pior funcionamento psicológico e menos comportamentos de ingestão alimentar emocional que os pares com acompanhamento nutricional, apesar destes últimos apresentarem níveis superiores de vergonha corporal. O mindfulness e/ou a autocompaixão dos adolescentes com peso normal e com excesso de peso/obesidade associaram-se a menos dificuldades de regulação emocional ou a um melhor funcionamento psicológico e, em consequência, a menos comportamentos de ingestão alimentar emocional. Adicionalmente, menos dificuldades de regulação emocional das mães de crianças/adolescentes com excesso de peso/obesidade associaram-se a menos sintomas depressivos dos filhos e, em consequência, a menos comportamentos de ingestão alimentar emocional, através de níveis superiores de parentalidade mindful. Por fim, a parentalidade mindful parece ter um efeito benéfico nos comportamentos alimentares disfuncionais das crianças/adolescentes com diferentes pesos, ao promover menores níveis de stress parental e, em consequência, práticas parentais na alimentação mais adaptativas, e, por outro lado, estratégias de regulação emocional adaptativas ou um melhor funcionamento psicológico dos filhos, ou ambos.

Conclusões: Estes resultados possibilitam conhecimento baseado na evidência sobre a complexidade psicológica inerente ao comportamento alimentar das crianças/adolescentes, com base num modelo inovador, integrador e compreensivo, incluindo mecanismos dos pais e das crianças/adolescentes. Destacam-se o papel da regulação emocional, essencialmente das crianças/adolescentes, e da parentalidade mindful, enquanto mecanismos mediadores dos comportamentos alimentares disfuncionais das crianças/adolescentes, dando suporte adicional à relevância de intervenções multidisciplinares com foco na promoção de estratégias de regulação emocional. Particularmente, esta investigação abre caminho para o estudo promissor da parentalidade mindful no contexto do comportamento alimentar das crianças/adolescentes, sugerindo efeitos benéficos na regulação emocional, no funcionamento psicológico e nos comportamentos alimentares disfuncionais das crianças/adolescentes. Investigações futuras com metodologias mais robustas são necessárias de forma a criar uma intervenção baseada na parentalidade mindful para promover um comportamento alimentar mais saudável nas crianças/adolescentes.

Background: Disordered eating behaviors and pediatric obesity are considered serious public health problems given the increasing prevalence worldwide and the consequences for the psychological functioning and for the physical health of children/adolescents. Nevertheless, there is an incomplete knowledge about the multidimensionality of the psychosocial mechanisms that have a critical role on children/adolescent’s eating behavior, which makes the existent interventions for treating these problems to fail in maintaining long-term positive results. One of the mechanisms that have a key role on the engagement in disordered eating behaviors is emotional regulation. Additionally, parents also play a crucial role as being the primary caregivers and therefore responsible for feeding and for the psychological and emotional development of their child. In this context, the adoption of a mindful posture in parenting may be very promising, since it may promote positive relations between the parent and the child and also promote psychological strategies that may facilitate an healthier eating behavior in the child. The present research aims to understand: 1) how parents’ and children/adolescents’ emotion regulation are related with children/adolescents’ disordered eating behaviors; and 2) how mindful parenting may be associated with the engagement in disordered eating behaviors by children/adolescents.

Methods: This research is composed by five empirical, cross sectional and original studies. In each one we used a different cluster of the same sample: in Empirical Study I the sample comprised 245 adolescents with overweight/obesity with or without nutritional treatment; in Empirical Study II the sample was composed by 379 dyads of a mother and the child/adolescent with overweight/obesity with or without nutritional treatment; in Empirical Study III the sample was composed by 572 dyads of a mother/father and the adolescent with normal weight or with overweight/obesity with or without nutritional treatment; in Empirical Study IV the sample comprised 1066 mothers of a child or an adolescent with normal weight or with overweight/obesity with or without nutritional treatment; and in Empirical Study V the sample comprised 726 dyads of a mother/father and the child/adolescent with normal weight or with overweight/obesity with or without nutritional treatment. Self-reported measures were used to assess individual variables of the children/adolescent (i.e., mindfulness, self-compassion, difficulties in emotion regulation, depressive symptoms, body shame, emotional eating and overeating), of the parents (i.e., difficulties in emotion regulation), and parental variables (i.e., mindful parenting, parental stress and child-feeding practices). Moreover, sociodemographic data of the children/adolescents and the parents and clinical data of the children/adolescents were assessed. Weight and height of the children/adolescents were subsequently converted in the standardized Body Mass Index (zBMI).

Results: Parents of children/adolescents with overweight/obesity with nutritional treatment presented lower levels of mindful parenting and a higher use of controlling feeding strategies compared to the other groups. Children/adolescents with overweight/obesity without nutritional treatment presented a worse psychological functioning and less emotional eating behaviors compared to peers with nutritional treatment, although these presented higher levels of body shame. Levels of mindfulness and self-compassion skills of adolescents with normal weight or with overweight/obesity were associated with less difficulties in emotion regulation or with a better psychological functioning and, in consequence, with less emotional eating behaviors. Additionally, less difficulties in emotion regulation of the mothers of children/adolescents with overweight/obesity were associated with lower levels of depressive symptoms of their child and, in turn, with less emotional eating behaviors, through higher levels of mindful parenting. Lastly, mindful parenting may have a beneficial effect on the disordered eating behaviors of children/adolescents with normal weight and with overweight/obesity, by promoting lower levels of parenting stress and, in turn, more adaptive child-feeding practices, and, on the other side, by promoting more adaptive emotion regulation strategies or a better psychological functioning of their child, or both.

Conclusions: These results provide evidence-based knowledge on the psychological complexity underlying children/adolescent’s eating behavior, based in an innovative, integrative and comprehensive model, including mechanisms of both parents and children/adolescents. It highlights the role of emotion regulation, mostly from children/adolescents, and of mindful parenting, as mediating mechanisms of the engagement in disordered eating behaviors by children/adolescents, giving additional support for the importance of implementing multidisciplinary interventions with a psychological focus on the promotion of emotion regulation strategies. Especially, this research spearheads the avenue of mindful parenting promising research in the context of children/adolescents’ eating behavior, by demonstrating the beneficial effects of the adoption of this parenting posture for the emotional regulation, psychological adjustment and disordered eating behaviors of children/adolescents. Future research with more robust methodologies are needed to develop a mindful parenting based intervention to promote healthier eating behaviors in children/adolescents.