A repetição dos trânsitos: uma prosopografia do Chega

Abstract

Ao longo das últimas décadas, o crescimento da extrema-direita tem vindo a produzir uma intensificação dos debates sobre as mudanças operadas nos sistemas políticos contemporâneos e a possibilidade de estarmos perante processos de desdemocratização. As ciências sociais têm procurado responder a este desafio tentando identificar os sistemas classificatórios mais adequados para estas novas formações políticas, focando-se sobretudo nas caraterísticas idiossincráticas e populistas em torno das figuras que protagonizam esta família política. Em Portugal, considerado até recentemente um país imune a este fenómeno, o rápido crescimento eleitoral do partido Chega desde as eleições legislativas de 2019 produziu o mesmo tipo de debates. A presente investigação pretende, justamente, alargar os argumentos teóricos e comparativos em torno deste fenómeno. Para tal, parte da teoria dos campos de Bourdieu para caraterizar a sociogénese do Chega através da análise prosopográfica das trajetórias dos seus principais dirigentes e candidatos. Este tipo de abordagem permite, assim, questionar os principais conceitos e debates sobre a extrema-direita, nomeadamente sobre a sua relação com o neoliberalismo, ao inserir o Chega naquele que é o processo de radicalização e reconfiguração partidária das direitas associado às transformações dos sistemas partidários nas crises do capitalismo contemporâneo. Os resultados desta investigação evidenciam aquele que é o elevado grau de continuidade e porosidade histórica que carateriza o campo das direitas. Longe de ser uma “nova direita anti-sistema”, o Chega representa uma reação à viragem à esquerda do sistema político português em 2015 que pode ser interpretada uma resposta política específica a um quadro intensivo de austeridade implementado pelo governo da direita na sequência da crise financeira de 2008 com vista à proteção social. Em linha com uma longa tradição de amplos sectores das direitas portuguesas, o Chega encontra-se alinhado no combate ao legado revolucionário de 1974 e, em particular, na oposição às tentativas de reconstrução do estado social observadas pós-2015.

Over the last decades, the growth of the far-right produced an intensification of the debates about the changes in contemporary political systems and the possibility that we are facing processes of de-democratization. The social sciences have sought to respond to this challenge by trying to identify the most adequate classificatory systems for these new political formations, focusing mainly on the idiosyncratic and populist characteristics of the figures who play the leading role in this political family. In Portugal, until recently considered immune to this phenomenon, the rapid electoral growth of the Chega party since the 2019 legislative elections has produced these same debates. The present research aims, precisely, to extend the theoretical and comparative arguments around this phenomenon. To this end, it draws from Bourdieu's field theory to characterize the sociogenesis of Chega through the prosopographical analysis of the trajectories of its main leaders and candidates. This type of approach allows us to question the main concepts and debates about the far right, namely its relation to neoliberalism, by inserting Chega in the radicalization and reconfiguration process of the right associated with the transformations of party systems in the crises of contemporary capitalism. The results of this research highlight the high degree of continuity and historical porosity that characterizes the right-wing camp. Far from being a "new anti-system right," Chega represents a reaction to the left turn of the Portuguese political system in 2015 that can be interpreted as a specific political response to an intensive austerity framework implemented by the right-wing government in the wake of the 2008 financial crisis aimed at social protection. In line with a long tradition of broad sectors of the Portuguese right, Chega is aligned in fighting the revolutionary legacy of 1974 and, in particular, in opposing the observed post-2015 attempts to rebuild the welfare state.