IMPACTO DA PANDEMIA SARS-COV2 NAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE: PERIGO AUMENTADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE O CONFINAMENTO?

Abstract

A violência doméstica contra as mulheres continuou a ser um problema de saúde pública mesmo durante a pandemia, sendo que, em todo o mundo, 26% das mulheres com mais de 15 anos refere já ter passado por esta experiência. Embora este crime mantenha uma base de género, dada a evolução do papel das mulheres na sociedade e na família, tendemos a assumir a neutralização do género da vítima. Existem fatores associados a um maior risco de violência doméstica, como o consumo de substâncias, bem como a existência de patologias do foro psiquiátrico no agressor, como ansiedade e depressão. Por estudos anteriores sabe-se que a violência doméstica tende a aumentar durante períodos extraordinários, como pandemias, no entanto em Portugal constatou-se uma diminuição de 6,2% no número de ocorrências reportadas à PSP e GNR, comparativamente ao ano de 2019. Com o apoio da documentação das perícias da delegação centro do INMLCF, realizadas entre 01 de janeiro de 2019 e 30 de junho de 2021, foi possível estudar os números da região afeta a esta delegação no que toca ao período pandémico, quando comparado com o período prévio à pandemia. Inicialmente, fez-se uma divisão por anos para analisar de forma direta o número de perícias de violência doméstica em comparação com as restantes. Depois, dividiram-se as perícias em dois grupos, grupo “pré confinamento” e grupo “durante confinamento” para se analisarem as caraterísticas da vítima, do agressor, da sua relação, e das conclusões elaboradas nas perícias nos dois momentos.Percebeu-se que, em 2019, 32% das perícias foram realizadas no âmbito da violência doméstica, tendo esse número aumentado para 35% em 2020 e para 39,3% nos primeiros 6 meses de 2021. No grupo “durante confinamento” as vítimas foram mais novas, aumentando o número de vítimas estudantes, o que coincide com uma duplicação dos agressores “pai”. O agressor mais frequente foi, ainda assim, o cônjuge ou o companheiro, em ambos os períodos, sendo que o ex-marido caiu quase para metade durante o confinamento. Neste período, também se verificou um aumentou da coabitação entre a vítima e o agressor. Embora, se denote um aumento estaticamente significativo de vítimas divorciadas/separadas nesta altura pandémica. De uma forma geral, as agressões sexuais foram uma minoria no nosso estudo. O instrumento de agressão mais comumente usado foram partes do corpo. Em relação aos antecedentes da relação, a maioria das vítimas referiram agressões anteriores, embora apenas 17,4% tenha formalizado queixas prévias. As ameaças de morte diminuíram durante o confinamento e, em relação ao histórico de consumos, o mais frequentemente mencionado era o álcool. As equimoses foram as lesões mais frequentemente observadas, sendo mais frequente também a existência de lesões em duas ou mais localizações.

Domestic violence against women remained a public health problem, even during the COVID-19 pandemic, with 26% of women worldwide, over the age of 15, reporting having experienced it. While it remains a gender-based crime, given the changing role of women in society and within the family, we tend to assume the gender neutrality of the victim. There are factors associated with a higher risk of domestic violence, such as substance abuse and the existence of psychiatric disorders of the perpetrator, for instance anxiety or depression. From previous studies, it is known that domestic violence tends to increase during extraordinary periods, for example pandemics. However, in Portugal, there has been a 6.2% decrease of occurrences reported to police authorities, compared to 2019. With the analysis of forensic reports carried out in the Central Branch of the Portuguese National Institute of Legal Medicine da Forensic Sciences between January 1st, 2019 and June 30th, 2021, it was possible to study the data of the region during the pandemic period, when compared to the period previous to it. An analysis by year was initially executed, in order to summarily compare domestic violence cases with all the others. The reports were divided into two groups, "pre-confinement" and "during confinement", to analyze the characteristics of the victim, the assailant, their relationship, and the conclusions formulated in the reports in both groups.In 2019, 32% of the forensic examinations were conducted in the context of domestic violence, increasing to 35% in 2020 and 39.3% in the first semester of 2021. In the "during confinement" group, victims were younger, rising the number of student victims, coincidental with twice as much "father" offenders. The most frequent perpetrator was still the spouse or partner in both groups, decreasing by half the ex-husband, as an aggressor, during confinement. We also verified an increase in cohabitation days between the victim and the offender. Nevertheless, there was a statistically significant increase in divorced/separated victims during the pandemic. Overall, sexual assaults were a minority in our study. The most commonly used instruments of aggression were body parts. Regarding relationship history, most victims reported previous assaults, although only 17.4% filed prior complaints. Death threats decreased during confinement and, regarding the history of substance abuse, the most frequently mentioned was alcohol. Bruises were the most frequently observed injuries, and injuries in two or more locations were also more common.