Infeção SARS-CoV-2 e o seu impacto no rim

Abstract

Introdução: A infeção pelo SARS-CoV-2 foi declarada pandemia mundial pela Organização Mundial de Saúde e, até outubro de 2021, foi associada a mais de 246 milhões de casos e a 5 milhões de mortes em todo o mundo. A lesão renal aguda é uma das alterações extrapulmonares mais importantes. Assim, torna-se essencial compreender a fisiopatologia e os padrões histológicos da lesão renal nestes indivíduos e identificar as condições que predispõem ao desenvolvimento de determinado padrão de lesão em detrimento de outro. Também há a necessidade de conhecer os fatores de risco e os fatores preditores de prognóstico de lesão renal aguda associada à COVID-19, de modo a predizer o risco de evolução para doença renal crónica.Metodologia: Foram consultadas as bases de dados PubMed e EMBASE entre 1 de maio e 31 de outubro de 2021. De entre os resultados obtidos, foi feita uma seleção dos artigos com base na pertinência do seu tema e na relevância dos mesmos junto da comunidade científica. Foram também utilizados artigos extrapesquisa com o objetivo de dar alicerces científicos ao trabalho.Discussão: A infeção pelo SARS-CoV-2 está associada a uma elevada transmissibilidade e tropismo de órgão-alvo. O desenvolvimento de lesão renal aguda ocorre em 5,1% a 46% dos casos e associa-se a mortalidades que rondam os 50%. A etiologia da lesão renal aguda é multifatorial e divide-se em mecanismos de ação viral direta e indireta. A citotoxicidade dá-se sobretudo à custa da ligação do vírus à enzima conversora da angiotensina 2, recetor presente nas células tubulares e podocitárias renais e da ligação viral ao recetor CD147. A avaliação histológica de várias peças permitiu comprovar a existência de material viral no interior das células renais. Os mecanismos indiretos de lesão renal estão relacionados com estados de sépsis, distúrbios na coagulação e com nefrotoxicidade por agentes exógenos e endógenos. A necrose tubular aguda – de etiologia isquémica, nefrotóxica, por ação viral direta ou indeterminada – é a principal alteração encontrada nestes indivíduos. Padrões de lesão glomerular e vascular também podem estar presentes em doentes com COVID-19. Os fatores de risco associados à afeção renal são: idade avançada, sexo masculino, comunidades minoritárias, indicadores de COVID-19 severa, diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença cardiovascular e respiratória e uso de fármacos nefrotóxicos. Nos doentes com envolvimento renal, têm vindo a ser identificados como fatores de maus prognóstico: a gravidade da COVID-19, a gravidade da lesão renal aguda, os padrões histológicos glomerular e vascular e a existência de doença renal crónica prévia. O desenvolvimento de doença renal crónica surge como uma consequência natural e frequente após a lesão renal aguda associada à COVID-19.Conclusões: A COVID-19 tem implicações renais a curto prazo muito bem estabelecidas. O desenvolvimento de doença renal crónica é uma consequência lógica da situação. Os fatores de risco e de prognóstico descritos ajudam a projetar no futuro as possíveis repercussões renais da COVID-19. Contudo, os dados disponíveis relativos à afeção crónica de órgão-alvo são poucos e muito vagos. Deste modo, a relação da lesão renal aguda por COVID-19 com a progressão para doença renal crónica é um tópico desafiante e essencial de ser estudado num futuro próximo.

Introduction: The outbreak of the severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 has rapidly evolved into a global pandemic. Is associated with more than 246 million cases, 31% of which in Europe, and 5 million deaths worldwide. Acute kidney injury is one of the most important extrapulmonary manifestations in the coronavirus 2019 disease. Understanding the etiology and the pathophysiology associated to the kidney injury is essential. Risk factors for the development of kidney damage and prognosis predictors have algo a very important role in the risk assessment to the development of chronic kidney disease.Methods: Between 1st May and 31th October of 2021 the PubMed and EMBASE databases were consulted. The articles’ selection was based on the relevance of the subjects and of the scientific community. Additionally, extra-research articles were included to provide strong scientific foundations.Discussion: The severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 is associated with high transmissibility and multiorgan tropism. The incidence of acute kidney injury in coronavirus 2019 disease is 5.1% to 46% and it is associated with a 50% mortality. The acute kidney injury has a multifactorial etiology that could be divided into direct cytopathogenic mechanisms and indirect mechanisms of kidney injury. Cytotoxicity is mainly due to viral binding with the angiotensin converting enzyme 2, a receptor located in tubular epithelial cells and in pod cells, and due to viral binding to the CD147 receptor. The histological evaluation of several kidney pieces proved the existence of viral material inside the renal cells. In the other hand, indirect mechanisms of kidney damage are due to sepsis status, coagulation disorders and nephrotoxicity. Acute tubular necrosis is the main alteration in these individuals, although glomerular and vascular injuries are also present. Risk factors associated with acute kidney disease are advanced age, male gender, minority communities, indicators of severe coronavirus 2019 disease, diabetes mellitus, arterial hypertension, cardiovascular and respiratory diseases and use of nephrotoxic drugs. Severe coronavirus 2019 disease, sever acute kidney injury, glomerular alterations and previous chronic kidney disease are factors of worse prognosis in these patients. Thus, there appears to be an intrinsic risk to the development or progression of chronic kidney disease.Conclusions: Coronavirus 2019 disease has well-established short-term renal implications. The development of chronic kidney disease is a logical consequence for this situation in a medium-long term. Risk and prognostic factors that were described are helpful to project into the future the possible complications. However, the available data are short to help us understand the real consequences of chronic organ affection. Thus, the renal impact in a medium-long term of coronavirus 2019 disease is a challenging and essential topic to be studied in a near future.