COGNIÇÃO SOCIAL NA DOENÇA BIPOLAR E ESQUIZOFRENIA: AVALIAÇÃO FENOTÍPICA E BASE NEURAL

Abstract

Embora o autismo constitua o paradigma da patologia do ‘cérebro social’, existe crescente evidência sobre a presença de anomalias da cognição social em indivíduos com outros problemas de saúde mental, como a perturbação bipolar (BPD) ou a esquizofrenia (SCZ). Estas duas doenças, tradicionalmente separadas de forma dicotómica nas classificações diagnósticas, parecem partilhar vulnerabilidade biológica comum, sendo elevada e consistente a associação de diversas variações genéticas, nas duas condições, como documentado nas mais recentes investigações genómicas.

O presente trabalho propôs-se avaliar os vários domínios da cognição social em indivíduos com BPD e SCZ, comparativamente com controlos saudáveis, bem como os seus substratos neurais. Realizou-se um estudo transversal caso-controlo, incluindo doentes com BPD (n=20), SCZ (n=20) e indivíduos saudáveis (n=20), emparelhados relativamente a género, idade e escolaridade. Além de uma compreensiva avaliação fenotípica e neuropsicológica, procedeu-se a uma caracterização anatómica e funcional do cérebro social nestes doentes, com recurso a ressonância magnética cerebral, com paradigmas experimentais orientados para a Teoria da Mente (TdM). A análise morfométrica recorreu ao módulo estatístico CAT12/SPM12, apreciando volume de substância cinzenta, espessura cortical e girificação. No pré-processamento das imagens adquiridas e na analise funcional recorreu-se ao software BrainVoyager QX 2.4. Uma análise de grupo random effects general linear model (RFX-GLM) voxel-wise foi conduzida, e os valores beta resultantes foram utilizados numa análise random effects ANOVA (RFX-ANOVA), com um fator intra-sujeitos com medidas repetidas (categoria de vídeo: afiliativo, antagonismo, indiferente, linear) e um fator inter-sujeitos (grupo: CTR, SCZ, BPD).

No referente ao desempenho em medidas psicométricas de cognição social, os grupos clínicos tiveram pontuações inferiores, com resultados heterogéneos, mas tendendo, na generalidade, a pior desempenho nos indivíduos com SCZ, com disfunção intermédia na BPD. Em termos morfológicos, recorrendo a uma combinação de medidas morfométricas convencionais e emergentes, documentou-se aumento volumétrico do globus pallidus direito em indivíduos com SCZ, alterações divergentes da girificação do giro supramarginal esquerdo em SCZ vs. BPD, e diminuição da girificação no giro frontal inferior direito em indivíduos com SCZ. Uma análise imagiológica funcional da atividade neural da junção temporoparietal permitiu identificar, em doentes SCZ e BPD, padrões de resposta a TdM opostos entre si, e diferentes dos controlos: hipoativação e hiperativação do giro supramarginal direito, respectivamente, em SCZ e BPD, enquanto um padrão inverso foi identificado na região posterior do giro temporal superior esquerdo. Estes padrões contrastantes de activação da junção temporoparietal apresentam relevo enquanto biomarcador diagnóstico, podendo também vir a constituir alvos terapêuticos de neuromodulação específica, enfatizando a importância desta região cerne do cérebro social na disfunção cognitiva social vivenciada por doentes com SCZ ou BPD.